Para responder à questão, leia um excerto de Fiódor Dostoiévski (1821-1881), escritor russo contemporâneo de Machado de Assis.

Talvez, senhores, pensem que enlouqueci. Permitam-me fazer uma ressalva. Concordo: o homem é um animal predominantemente construtivo, destinado ao esforço consciente em direção a um objetivo e dedicado à arte da engenharia, quer dizer, à eterna e incessante construção de uma estrada — não importa para onde ela vá. E que o ponto principal não é para onde ela vai, mas que vá a algum lugar, e que uma criança comportada, mesmo que deteste a profissão de engenheiro, não deve se render àquela desastrosa indolência que, como se sabe, é a mãe de todos os vícios. O homem ama a construção e a abertura de estradas, isso é indisputável. Mas como explicar que ele seja tão apaixonadamente propenso à destruição e ao caos? Digam-me! Sobre esse assunto tenho algo a dizer, ainda que breve. Não será seu apego apaixonado à destruição e ao caos uma consequência do seu medo instintivo de alcançar o objetivo e completar a obra em construção? […] Mas o homem é uma criatura volúvel e de reputação duvidosa e, talvez, como um enxadrista, esteja mais interessado em perseguir um objetivo do que no objetivo em si. E, quem sabe (ninguém pode ter certeza), talvez o único propósito do homem neste mundo consista no processo contínuo de perseguir um objetivo ou, em outras palavras, de viver, e não propriamente no objetivo, que, é claro, tem de ser algo como duas vezes dois são quatro, ou seja, uma fórmula, algo que, afinal, não é a vida, mas o princípio da morte.

(Apud Eduardo Giannetti. O livro das citações, 2008.)

a) Que característica presente nesse excerto do escritor russo pode ser encontrada na prosa de Machado de Assis? Transcreva uma frase do excerto em que se verifica essa característica.

b) Por que o escritor russo acredita que seus leitores talvez pensem que ele tenha enlouquecido?

a) A característica presente no texto e que é bastante comum na prosa machadiana é a interpelação ao leitor, em especial quando o narrador tece considerações sobre a narrativa (metalinguagem) ou, como no caso, quando reflete sobre a condição humana.

            Talvez, senhores, pensem que enlouqueci.

            Permitam-me fazer uma ressalva.

            Digam-me!

b) Ele acredita que a suposição de sua loucura se deva à sua explicação da presença no homem de duas tendências opostas: a de ser “um animal predominante construtivo” e a de ser “apaixonadamente propenso à destruição e ao caos”. Ele considera que esse desejo de destruição é paradoxalmente um complemento ao desejo de construção, pois é “uma consequência do seu medo instintivo de alcançar o objetivo e completar a obra em construção”. Em resumo, por defender uma tese aparentemente incoerente – a de que o homem quer destruir aquilo que construiu –, os leitores talvez pensem que o escritor russo enlouqueceu.