Para responder à questão, leia um trecho do livro Incerteza, um ensaio, do jornalista Eugênio Bucci.
Pensemos agora em Capitu, de Machado de Assis. Ela costuma ser lembrada por estar associada à infidelidade. De minha parte, não creio que repouse nisso o charme daquela jovem dama com “olhos de ressaca”. Em hipótese nenhuma eu a escalaria para o mesmo time de Madame Bovary, de Flaubert, Anna Kariênina, de Tolstói, ou Luísa, de O primo Basílio, de Eça de Queiroz. Capitu, mais do que a probabilidade do adultério incerto, representa a incerteza.
O tema de Machado em Dom Casmurro é menos a traição conjugal e mais a impossibilidade de saber, o tempo todo. Daí que seu tema é também a modernidade. Dom Casmurro vem ao leitor como advertência permanente: é preciso conviver com ela, Capitu, do mesmo modo que é preciso conviver com o que não é certo e sabido, nem será. O que o Princípio da Incerteza, de Heisenberg, avisou na Física Quântica, Machado já avisava na literatura fazia tempo. [...]
O amor cortês do século XII, aquele que idealizava a mulher amada, teve desdobramentos poéticos na forma narrativa dos contos de fada e, em boa medida, no amor romântico, que viria mais tarde. O que me interessa destacar é a fantasia do “final feliz”, que tem forte apelo especialmente nos namoros de príncipes e moças de nobreza incerta. Em que consistia o arremate “E foram felizes para sempre”? Eu diria, modestamente, que consistia na morte: na morte da incerteza.
Aquele “final feliz” matava a imprevisibilidade, qualquer que ela fosse, e dava curso a uma utopia, em que é preciso encerrar a história para que o amor possa, enfim, principiar. Sim, nesse modelo de ficção, o amor só se faz depois do final. O “felizes para sempre” tem o sabor de um epitáfio. O moderno, que duvida da felicidade e do “para sempre”, vai se levantar contra esse tipo de final tolo para amar o incerto e o indefinido, ainda que não o confesse.
(Incerteza, um ensaio, 2023. Adaptado.)
“O moderno, que duvida da felicidade e do ‘para sempre’, vai se levantar contra esse tipo de final tolo para amar o incerto e o indefinido, ainda que não o confesse.” (4º parágrafo)
No contexto em que se insere, o trecho sublinhado expressa ideia de
Na oração “ainda que não o confesse”, o conector “ainda que” expressa relação de contraste, introduzindo uma oração adverbial concessiva.