Texto 1

Brain rot: a palavra do ano de 2024 segundo o Dicionário Oxford

O Dicionário Oxford, uma das mais respeitadas referências lexicográficas do mundo, tem a tradição de eleger, anualmente, uma palavra que sintetize o zeitgeist — o espírito do tempo. Em 2024, a palavra escolhida foi brain rot, uma expressão que evoca reflexões profundas sobre o impacto da era digital em nossa cognição, cultura e sociedade.

Por que brain rot foi escolhida?

A expressão brain rot, traduzida literalmente como “podridão cerebral”, é um termo coloquial usado para descrever os efeitos nocivos de consumir conteúdo superficial, repetitivo ou de baixa qualidade, especialmente em ambientes digitais como redes sociais e plataformas de entretenimento. Embora tenha surgido de forma humorística, a expressão ganhou tráfego significativo ao longo de 2024, sendo amplamente discutida em debates sobre saúde mental e educação.

Entre os fatores que contribuíram para a escolha de brain rot estão:

1. A era da sobrecarga de informação: O excesso de conteúdo digital tem sido apontado como um dos principais fatores de distração e superficialidade cognitiva, comprometendo nossa capacidade de reflexão profunda.

2. Debates sobre a saúde mental: A relação entre o tempo excessivo em telas e condições como ansiedade, depressão e esgotamento mental foi amplamente discutida em 2024.

3. Humor como ferramenta crítica: Apesar de sua origem leve, brain rot serviu como uma metáfora poderosa para expressar preocupações sérias, ganhando tráfego em vídeos virais, memes e artigos acadêmicos.

Leonardo Faria, https://meucerebro.com/brain-rot-palavra-do-ano-2024-oxford/, 10/01/2025. Adaptado.

Texto 2

A palavra do ano de 2024 é... apodrecimento cerebral

O que é e como evitar o brain rot

A "palavra do ano" eleita em 2024 pelo Dicionário Oxford é uma expressão de duas palavras: brain rot, ou apodrecimento cerebral. A expressão descreve o dano mental atribuído ao excesso de uso de mídias digitais para consumir conteúdo trivial e irrelevante. A espécie mais promissora do planeta, aquela que carrega em seu cérebro o maior número de neurônios corticais capazes de encontrar padrões, formar associações e aprender com o passado para mudar o futuro, quem diria, resolveu usar sua capacidade cerebral para gastar tempo rolando telas.

Que fique claro: o "dano mental" é presumido. A perda de tempo e oportunidades, no entanto, é certa e documentada. Segundo o Relatório Digital 2024, brasileiros passam em média nada menos do que três horas e 37 minutos –assim mesmo, com todas as letras – pendurados em redes sociais, sobretudo Instagram. Apenas os cidadãos do Quênia e da África do Sul ganham dos brasileiros, e por meros minutos. Nos EUA, a média é de duas horas e 18 minutos; na Europa, fica abaixo de duas horas, e no Japão, não chega a uma hora diária.

Certo, também, é o emburrecimento do usuário comparado com o que ele poderia alcançar se tivesse usado aquelas quase quatro horas para pensar sobre algo mais útil do que os mesmos memes repetidos e reciclados ad nauseam ou mais gatinhos fazendo bobagens adoráveis no septuagésimo nono vídeo do dia. Quase quatro horas. Como pode?

O que define as mídias sociais não é o serviço que lhes dá nome, de aproximar gente que não teria oportunidade de se encontrar em pessoa. Isso é apenas a desculpa oferecida pelas plataformas aos usuários, e pelos usuários a si mesmos, para justificar sua presença continuada. O que define as ditas redes sociais é o passo rápido de conteúdos rasos num poço sem fundo de diversão e às vezes até informação, mas quase zero conhecimento.

Suzana Herculano-Houzel, Folha de S. Paulo, 10/01/2025. Adaptado.

Conforme se pode ler nos textos aqui apresentados, o célebre Dicionário Oxford escolheu como palavra do ano de 2024 a expressão brain rot, que pode ser traduzida como "apodrecimento cerebral ". Com base nos referidos textos, bem como em outras informações que considere relevantes, redija uma dissertação em prosa sobre o tema: A escolha de brain rot como palavra do ano de 2024 se justifica?

Instruções:

• A redação deverá seguir as normas da língua escrita culta e deverá ser redigida com letra legível e, obrigatoriamente, com caneta esferográfica de tinta azul ou preta, sendo vedado o uso de lápis, lapiseira (grafite), caneta hidrográfica fluorescente, corretor líquido e/ou borracha. Redações que não seguirem essas instruções não serão corrigidas, recebendo, portanto, nota zero.

• O espaço para rascunho não será considerado para fins de correção. É obrigatório transcrever a redação na folha definitiva.

• O texto da redação deverá ter, no mínimo, 20 e, no máximo, 30 linhas escritas. Redações fora desses limites não serão corrigidas e receberão nota zero.

• A redação terá nota zero, caso haja fuga total ao tema ou à estrutura definidos na proposta apresentada.

• É recomendável dar um título a sua redação.

Seguindo a tradição dos exames de anos anteriores, a banca solicitou que os candidatos elaborassem um texto dissertativo-argumentativo em prosa, a partir de reflexões apresentadas em uma coletânea de textos elucidativa. Neste exame, foi solicitado que os candidatos expusessem seu ponto de vista a respeito de um tema bastante atual, polêmico e relevante para o debate público: “A escolha de brain rot como palavra do ano de 2024 se justifica?”

Com o intuito de contextualizar o tema e apresentar argumentos, foram fornecidos dois textos de apoio, a partir dos quais o candidato pôde entender melhor o que é o conceito de brain rot e, principalmente, a problemática que envolve o uso exacerbado das tecnologias. A coletânea desempenhou papel fundamental para que o candidato pudesse determinar seu posicionamento a respeito do tema e elaborar argumentos para o seu texto.

O texto I, de Leonardo Faria, aborda os impactos da era digital sobre a cultura, a cognição e a sociedade. O autor comenta a escolha da expressão brain rot ("podridão cerebral") como palavra do ano de 2024 pelo Dicionário Oxford, destacando como ela sintetiza os desafios contemporâneos relacionados à sobrecarga de informação digital; aos crescentes debates sobre saúde mental ligados ao uso excessivo de telas; e ao uso do humor como ferramenta crítica. A expressão, embora de origem humorística, tornou-se uma metáfora relevante para refletir sobre os efeitos do consumo constante de conteúdo superficial nas plataformas digitais.

No texto II, escrito por Suzana Herculano-Houzel para a Folha de São Paulo, aprofunda-se a crítica feita no primeiro texto ao explorar os efeitos do brain rot. A autora destaca que, embora o "dano mental" ainda seja presumido, a perda de tempo e de oportunidades causada pelo uso excessivo das redes sociais é comprovada. Segundo o Relatório Digital 2024, brasileiros gastam, em média, 3h37 por dia nas redes, um dos maiores tempos do mundo. O texto critica o uso superficial dessas plataformas, que oferecem diversão passageira, mas pouco contribuem para o conhecimento. Suzana aponta que, embora as redes sejam vendidas como ferramentas de conexão social, na prática, promovem um ciclo contínuo de consumo de conteúdos triviais, em detrimento do uso mais produtivo da cognição humana.

Encaminhamentos possíveis

Para estruturar seu ponto de vista e seus argumentos, o candidato poderia aproveitar informações e argumentos dos textos que compunham a coletânea, bem como utilizar seu repertório pessoal de conhecimentos e reflexões acerca da questão posta em debate. Apesar de a pergunta temática sobre o brain rot ser aberta à argumentação, a coletânea parecia facilitar a defesa de um posicionamento que justificasse a escolha do termo.

Para defender que SIM, a escolha de brain rot como a palavra do ano se justifica, a dissertação poderia sustentar os seguintes pontos:

  • Reflete o espírito do tempo (Zeitgeist): a expressão brain rot resume as preocupações contemporâneas ao lidar com o excesso de conteúdo digital a partir do uso excessivo das redes sociais, especialmente entre crianças e jovens, que ainda estão em processo de desenvolvimento cognitivo.
  • Revela a superficialidade informativa e a desinformação em alta: a circulação massiva de conteúdos gerados por inteligência artificial, muitas vezes sem verificação, confunde os usuários e enfraquece o senso crítico e a qualidade do debate social.
  • Demonstra que as redes sociais incentivam o consumo superficial: é possível analisar os efeitos do consumo contínuo de conteúdos repetitivos e pouco informativos, que funcionam, muitas vezes, apenas como vitrines para a venda de produtos e para a promoção de padrões de vida irreais.
  • Levanta debates urgentes sobre saúde mental: o uso abusivo das redes tem sido associado a questões como tempo excessivo de tela, esgotamento mental, disforias, quadros de ansiedade e até burnout.  
  • Corrobora a ideia do humor como crítica social: embora a expressão tenha origem informal, ela se consolidou como uma metáfora potente para refletir sobre problemas reais e impulsionar discussões públicas relevantes ao longo de 2024.       

 

Repertórios socioculturais possíveis 

Podem ser mencionadas obras do filósofo Byung-Chul Han, como O Enxame (2018), Infocracia (2022) e A Sociedade do Cansaço (2019), além do livro A Geração Ansiosa (2024), do psicólogo social Jonathan Haidt. Ademais, documentários como O Dilema das Redes (2020) e Privacidade Hackeada (2019), bem como a série distópica Black Mirror, também podem ser utilizados como repertório, desde que aplicados especificamente ao argumento selecionado. Exemplos atuais também podem ser explorados, como a chamada “tiktokização da atenção”, que evidencia a dificuldade crescente em manter o foco diante de conteúdos curtos, rápidos e altamente estimulantes.

Por outro lado, para defender que NÃO se justifica a escolha de brain rot como a palavra do ano, é possível recorrer a alguns elementos dos textos de apoio, embora essa posição seja mais difícil de sustentar a partir deles. Ainda assim, um candidato com repertório externo bem consolidado pode adotar esse ponto de vista. Algumas possibilidades de argumentação seriam:

  • Apoiar-se no texto 2, que reconhece que o "dano mental" provocado pelo uso excessivo das redes sociais ainda é presumido, ou seja, não há comprovação científica sólida de que o uso desses meios cause um verdadeiro “apodrecimento cerebral”.
  • Argumentar que o uso da expressão é exagerado e que, por se basear em generalizações, não se justifica como palavra do ano. Além disso, pode-se considerar que há outras urgências contemporâneas mais relevantes que mereceriam destaque (como as mudanças climáticas, a crise da democracia, entre outras).
  • Destacar que, embora não seja o foco dos textos, o potencial positivo das redes sociais - como a promoção de conexões e o acesso à informação - é mencionado de forma crítica no texto 2. Esse aspecto poderia ser aproveitado como uma ressalva ou refutação dentro de um argumento mais equilibrado, desde que bem fundamentado.

Assim, diante da natureza do tema e da estrutura da pergunta sobre brain rot, é provável que um aluno bem informado, atento à coletânea e sensível aos acontecimentos do mundo externo, não tenha encontrado grandes dificuldades em desenvolver a proposta.  Mesmo exigindo argumentação e reflexão aprofundada, a proposta da redação da FGV oferecia múltiplos caminhos para a construção de um posicionamento consistente.