A bola rola na língua

Valência, volância, centroavância, pressão alta e jogadores frescos. Conheça o novo vernáculo

Se há duas coisas que me empolgam são o futebol e a língua portuguesa. Elas se fundem e se completam na transmissão dos jogos pela televisão. Rara a semana em que não vibro com alguma contribuição à língua pelos narradores e comentaristas —e estou falando sério. O futebol é um universo dinâmico, em permanente expansão, o que obriga os profissionais do microfone a complexos malabarismos imagéticos para fazer jus a ele.

Dois desses malabarismos, hoje em vasto uso, se referem à bola. Ou ela beija a trave ou vai morrer na bochecha da rede. A imagem do beijo na trave poderia ter saído do grande Augusto dos Anjos. Quanto à bochecha da rede, imagino que, se existe, implicará também a existência de uma gengiva, úvula ou amígdala da rede.

O que mais tenho admirado, no entanto, é o criativo uso da palavra valência para definir esta ou aquela qualidade de um jogador. Imagino que dela tenham saído as novas definições de funções em campo: a volância, referente aos volantes, e a centroavância, aos centroavantes.

CASTRO, Ruy. Folha de S. Paulo. Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/colunas/ruycastro/2024/07/ (Adaptado).

a) No segundo parágrafo, o autor trata de duas construções que vêm se destacando na narração de jogos de futebol: (i) a bola beija a trave e (ii) a bola vai morrer na bochecha da rede. Explique, valendo-se dos seus conhecimentos sobre figuras de linguagem, os processos conotativos envolvidos na formação dessas expressões.

b) No último parágrafo, o autor aplica, de forma humorística, um dado esquema de sufixação. Descreva como as palavras volância e centroavância foram formadas e explique qual o significado que se pode atribuir ao sufixo.

a) Ambas as expressões são construídas a partir de relações metafóricas: em a bola beija a trave, o verbo beijar está usado em sentido figurado, comparando o toque da bola da trave com um beijo; já em a bola vai morrer na bochecha da rede, o verbo morrer e o substantivo bochecha é que estão empregados em sentido figurado, comparando o momento em que a bola toca a rede com a morte e a parte lateral da rede com uma bochecha. Nas duas expressões, estabelecem-se relações de similaridade para construir as figuras de linguagem. Como, nos três casos (beijo, morte e bochecha), atribuem-se características que podem ser consideradas humanas ou à bola ou à rede, podemos falar em personificações (ou prosopopeias).

b) Nos neologismos “volância” e “centroavância”, ocorre uma sufixação, respectivamente, a partir de “volante” e “centroavante”, que perdem o sufixo –(a)nte. O sufixo -ância, nesse contexto, indica a ação de jogar como volante e centroavante ou a capacidade de atuar nessas posições.