“(...) O Expressionismo foi uma estética que se manifestou primeiro na pintura, na segunda metade do século XIX, tendo entre seus pioneiros o pintor holandês Vincent Van Gogh (1853-1890) e o pintor norueguês Edward Munch (1863-1944). Em Van Gogh é como se o vigor das pinceladas e a violência das cores passassem a ser mais importantes do que a perfeição geométrica do desenho. Isso porque, para o expressionista, bem mais importante do que fotografar objetivamente a realidade, é expressar (daí o adjetivo expressionista) subjetivamente o choque da realidade no ser humano.”

GOMES, Alexandre Rodrigues. Cartografia do expressionismo na literatura de língua portuguesa, 2018. Disponível em
https://pos.uea.edu.br/data/area/dissertacao/download/34-14.pdf. 

a) A partir do texto, aponte dois aspectos da estética expressionista na obra Os ratos, de Dyonélio Machado. Justifique a sua escolha.

b) Os traços expressionistas de Os ratos aproximam a obra dos padrões literários do chamado regionalismo de 1930? Explique.

a) O Expressionismo está bastante presente em Os ratos. Entre os aspectos mais explícitos dessa estética no romance, temos:

  • o teor crítico: a narrativa acompanha os passos de um personagem que não consegue sobreviver a partir de seus rendimentos, ocupando espaços marginais em uma sociedade que se moderniza com velocidade, sem, contudo, incluir todos os cidadãos nos benefícios desse processo.
  • exploração do grotesco: a caracterização física dos personagens aproxima-os de ratos (o que reforça o título do romance), como ocorre com Duque (que apresenta um “focinho quieto e manso”), Alcides (com seu “casaco marrom” que se assemelha à pele de rato), os jogadores da roleta (que se movem como um “perpassar de sombras”, isto é, com movimentos sutis, que parecem se realizar às escondidas), os colegas do protagonista (que fogem dele, sumindo “com pés de rato”) e, por fim, o próprio Naziazeno (desprezado por todos, que temem seus assédios em busca de empréstimos, e que, em certo momento, ergue “um focinho humilde”).
  • a temática da angústia existencial: o desespero de Naziazeno para conseguir a quantia necessária para pagar a dívida que tem com o leiteiro assume contornos dramáticos na narrativa, conforme o tempo passa, associando-se à sua própria condição de homem incapaz de resolver seus problemas, um “pobre diabo” (expressão que aparece na obra). Essa angústia se manifesta no estado de espírito que domina o protagonista, marcado pela melancolia.
  • perspectiva deformadora do espaço: a vivência que Naziazeno tem da cidade mostra-a como um lugar opressor, com seu “semicírculo do horizonte” “pesado de vapores”, o rio “que reflete e baralha as cores escuras e claras do céu” e que possui um “movimento lento e espesso de óleo”. Nas docas em construção, as sombras dos navios ancorados “cavam buracos pretos na água grossa”. A sensação que Naziazeno experimenta nessa cidade é representada nos “enormes pés de chumbo” que ele sente arrastar quando caminha por suas ruas.
  • linguagem fragmentada: a narrativa transcorre com idas e vindas, não apenas concretas, no sentido dos descaminhos que Naziazeno percorre, passando e repassando as mesmas ruas, mas, sobretudo, subjetivas, nas recordações da infância que acentuam a perturbação do protagonista, e nas constantes referências à dívida, que o persegue de forma insistente e perturbadora.
  • cena de delírio: no trecho final do romance, quando Naziazeno, já de posse da quantia necessária para saldar sua dívida, não consegue fugir da angústia que sente ao imaginar que ratos poderiam comer o dinheiro. Essa impressão é tão forte, que ele acaba por imaginar acontecimentos que só ocorrem em sua mente desesperada.

b) O regionalismo de 1930 costuma ser dividido em duas tendências distintas, sendo uma de teor mais marcadamente social e outra de caráter mais psicologizante. Na verdade, essa separação é desmentida por obras representativas do período, como O Quinze (Rachel de Queiroz, 1930), Menino de engenho (José Lins do Rego, 1932), O amanuense Belmiro (Cyro dos Anjos, 1937), Angústia (Graciliano Ramos, 1936), Vidas secas (Graciliano Ramos, 1938) e o próprio Os ratos (Dyonélio Machado, 1935), entre outros. Nesses romances, a sociedade é vista da perspectiva do indivíduo, de tal forma que aspectos sociais e intimistas são apresentados conjuntamente. Nesse sentido, o regionalismo de 1930 está presente em Os ratos, não apenas pela ambientação em um espaço distante dos centros decisórios do poder político nacional, como São Paulo ou Rio de Janeiro, mas, sobretudo, por essa articulação entre a visão crítica da sociedade e os desdobramentos da opressão e da marginalização sobre a personalidade, comportamento e visão de mundo dos indivíduos.