Texto 1
Quando nasce em Mileto, a filosofia está enraizada nesse pensamento político cujas preocupações fundamentais traduz e do qual tira uma parte de seu vocabulário. [...] Desde Parmênides, encontrou seu caminho próprio; explora um domínio novo, coloca problemas que só a ela pertencem. Os filósofos já se não interrogam, como o faziam os milésios, sobre o que é a ordem, como se formou, como se mantém, mas sim qual é a natureza do Ser e do Saber e quais são suas relações. [...] Para resolver as dificuldades teóricas, [...] que o próprio progresso de seus processos fazia surgir, a filosofia teve de forjar para si uma linguagem, elaborar seus conceitos, edificar uma lógica, construir sua própria racionalidade.
(Jean-Pierre Vernant. As origens do pensamento grego, 2002.)
Texto 2
O argumento que defendo é que não podemos usar a mesma lógica, os mesmos princípios que sustentam a pergunta: “Quem inventou o dirigível mais pesado que o ar?” No caso: “Quem ou que povo ‘inventou’ a filosofia?” Fenômenos como música, filosofia ou arquitetura nascem em regiões particulares, mas, devido ao caráter pluriversal da realidade, as produções humanas ocorrem em diversas regiões do mundo enfrentando problemas e demandas comuns. [...] O meu ponto de vista é que as reflexões filosóficas são, em certa medida, “congênitas” à própria “condição humana”.
(Renato Noguera. O ensino de filosofia e a lei 10.639, 2014.)
a) Qual é a temática filosófica que relaciona os textos 1 e 2? Como essa temática é abordada em cada um desses textos?
b) Explique o seguinte ponto de vista de Renato Noguera: “as reflexões filosóficas são, em certa medida, ‘congênitas’ à própria ‘condição humana’”. Como esse ponto de vista do texto 2 se reflete no texto 1?
a) A temática que relaciona os dois textos é a origem da filosofia ou sua universalidade. No primeiro texto, afirma-se que a filosofia nasceu em Mileto, que era uma das colônias gregas no mundo antigo. Assim, ele toma a filosofia como uma invenção grega. Para Vernant, a filosofia nasce em um contexto histórico particular, mas ao longo do tempo desenvolve um domínio próprio e independente.
Já o Texto 2, de Renato Noguera, questiona a ideia de que a filosofia tenha uma origem única, sustentando que ela é uma atividade universal, inerente à condição humana. Noguera argumenta que a filosofia, assim como outros fenômenos culturais, não pode ser atribuída exclusivamente a uma civilização ou a um povo, pois ela emerge em diversas culturas e contextos como resposta a problemas comuns.
b) O ponto de vista de Renato Noguera sugere que a atividade filosófica é intrínseca à natureza humana, não dependendo de um contexto específico para emergir. Ele entende a filosofia como uma forma universal de lidar com as demandas e desafios da existência humana, sendo parte integrante da experiência humana em diferentes culturas e tempos. Isso se reflete no Texto 1 de maneira implícita.
Apesar de, no Texto 1, Vernant situar a origem histórica da filosofia em Mileto e destacar a especificidade do contexto grego, é possível dizer que ele também reflete a ideia de Noguera de que a reflexão filosófica é inerente à condição humana. Ao descrever a busca dos filósofos por respostas sobre a natureza do Ser e do Saber, Vernant demonstra essa necessidade humana de questionar e buscar conhecimento, que é a base da filosofia. Mesmo que a forma e o contexto variem, a essência da filosofia, como busca por conhecimento e compreensão da realidade, está presente em todas as culturas.
Por outro lado, também é possível responder que o ponto de vista do Texto 2 se reflete no Texto 1 como um contraponto, já que ele discorda da ideia de uma origem grega da filosofia, a qual, de certa forma, valoriza mais a tradição de pensamento ocidental em relação a outras culturas e regiões.