Em 1943, Lúcia Miguel-Pereira, importante estudiosa da obra de Machado de Assis, publicou em livro a novela Casa Velha, que havia aparecido seriadamente na revista A Estação entre janeiro de 1885 e fevereiro de 1886. Ao comparar essa novela com os primeiros romances machadianos, ela nos diz:
“Lalau, a heroína de Casa Velha, é igualmente criada por uma viúva rica, cujo filho ama; a velha senhora lança mão de uma calúnia para separar os namorados e, desfeita esta, a moça se retrai, recusa entrar para uma família que a desdenhara; volta resignada, mas triste, ao meio humilde de onde sonhara sair (...)”.
(MIGUEL-PEREIRA, Lúcia. Machado de Assis: estudo crítico e biográfico. 6. ed. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: EdUSP, p. 160, 1988.)
a) Considerando a casa como um microcosmo da sociedade brasileira dos tempos da Regência, identifique e explique as posições ocupadas pelas duas personagens femininas mencionadas no trecho.
b) Reconte aqui, brevemente, a calúnia que separou Lalau de seu amado e como tal calúnia foi desfeita, citando os personagens envolvidos em ambos os processos. A seguir, tendo em conta a estrutura social do Brasil da época, ofereça uma interpretação para o fato de haver uma dificuldade na união entre Lalau e seu amado.
a) Dona Antônia, mãe de Félix, é viúva de um ex-conselheiro de D.Pedro I e proprietária da casa. Em se considerando a propriedade como um microcosmo da sociedade brasileira dos tempos da Regência, fica claro que seu papel se assemelha ao de imperatriz, agindo de forma vigilante na defesa da importância da Monarquia. Lalau, por sua vez, é filha de ex-agregados da casa de dona Antônia, de poucos recursos materiais, embora fosse sempre tratada mais como hóspede do que como agregada. Seu comportamento revela um espírito livre. Além disso, ela é a única personagem que transita entre o ambiente dos proprietários e dos escravizados. Lalau torna-se, portanto, uma ameaça ao equilíbrio alcançado pela Monarquia, representada pela rigidez da matriarca.
b) A calúnia, criada por dona Antônia para separar Félix de Lalau, foi a invenção de que ela seria fruto de uma relação extraconjugal entre seu marido e a mãe da menina e, portanto, irmã de Félix. No último capítulo do livro, porém, o reverendo encontra um bilhete manuscrito pelo próprio conselheiro a uma interlocutora indefinida, lamentando com tristeza o destino de uma criança. Ao perguntar à tia da menina – dona Mafalda – sobre o conteúdo do bilhete, ela revela que, de fato, o conselheiro tinha se relacionado com a mãe de Lalau com quem teve um filho que morreu com poucos meses de idade, mas que Lalau já tinha três meses quando os dois se viram pela primeira vez. Ao levar as novidades à dona Antônia, ela reage mal e confessa que havia mentido sobre a filiação de Lalau e que sempre acreditara no amor e na fidelidade de seu marido. Considerando a estrutura social do Brasil à época, o amor entre Félix e Lalau ameaça a reputação de uma família representativa dos mecanismos e interesses do Império brasileiro, marca de uma sociedade tradicionalista e fechada. Dona Antônia é capaz de inventar uma mentira que coloca em xeque a reputação moral de seu marido e de sua família para evitar que seu filho se una a Lalau – união que representaria um liberalismo excessivo para os valores da época.