Leia a tira para responder às questões.

a) Nessa tira, há um mecanismo linguístico de referenciação que se repete em cada cena, na fala das personagens. Especifique qual é esse mecanismo e exemplifique-o. Qual é a sua função na construção do sentido da tira?

b) A quarta cena contrasta com as outras três. Explique esse contraste e identifique três elementos textuais que a particularizam.

a) Em cada uma das falas das personagens, recorre-se a um vocativo para referenciar o enunciatário: “cambada” (quadro 1), “Bolívia” (quadro 2), “arrombado” (quadro 3), “Vitinho” e “Dona Paola” (quadro 4).

Na construção do sentido da tira, os vocativos servem não apenas para o enunciador dirigir-se ao interlocutor, mas também para determinar o tipo de tratamento dispensado a ele. Nas duas primeiras ocorrências, “cambada” e “Bolívia”, proferidos por um superior hierárquico, estabelecem um tratamento rude e autoritário. Na terceira ocorrência, “arrombado” expressa agressividade em relação ao outro condutor, no trânsito. Por fim, no último quadro, os vocativos “Vitinho” e “Dona Paola” contribuem para instaurar uma relação cordata e respeitosa.

b) O contraste entre a quarta cena e as anteriores está diretamente relacionado à desigualdade nas condições de trabalho, que são informais e insalubres nas três primeiras cenas, diferentemente do que se dá na última. Isso que pode ser percebido em elementos textuais verbais e não verbais.

Atentando-se a elementos visuais, nota-se que as personagens da quarta cena realizam seu trabalho em um escritório, um espaço formal de trabalho, com mobília e equipamentos adequados à sua prática laboral. Isso se opõe à insalubridade dos ambientes das três cenas anteriores (seja pela exposição ao sol na colheita, pela precariedade na cozinha ou pela insegurança da bicicleta no trânsito).

Além dos elementos visuais, a descrição das condições de trabalho explicita o contraste: apenas o personagem João Vítor é citado como “colaborador”, termo do jargão corporativo para remeter aos trabalhadores formais – nas três primeiras cenas, a precarização é explicitada em “regime análogo à escravidão”, “funcionário não registrado” e “prestando serviços para um app”.

Por fim, associando elementos verbais e não verbais, nota-se que o personagem João Vítor é o consumidor final na cadeia de que os demais fazem parte: Vítor consome uma pizza, que lhe foi entregue por um serviço de “delivery”, na qual pode ser visto um tomate – o que remete à colheita, à cozinha e ao app de entregas.