Em 2017, o sociólogo espanhol Manuel Castells lançou o livro Ruptura: a crise da democracia liberal, cujo primeiro parágrafo da Introdução “Nosso mundo, nossas vidas” começa assim:

“Sopram ventos malignos no planeta azul. Nossas vidas titubeiam no turbilhão de múltiplas crises. Uma crise econômica que se prolonga em precariedade de trabalho e em salários de pobreza. Um terrorismo fanático que fratura a convivência humana, alimenta o medo cotidiano e dá amparo à restrição da liberdade em nome da segurança. Uma marcha aparentemente inelutável rumo à inabitabilidade de nosso único lar, a Terra. Uma permanente ameaça de guerras atrozes como forma de lidar com os conflitos. Uma violência crescente contra as mulheres que ousaram ser elas mesmas. Uma galáxia de comunicação dominada pela mentira, agora chamada pós-verdade. Uma sociedade sem privacidade, na qual nos transformamos em dados. E uma cultura, denominada entretenimento, construída sobre o estímulo de nossos baixos instintos e a comercialização de nossos demônios”. (2018, p. 7)

Com base no cenário introdutório descrito pelo sociólogo, considere o papel que a arte pode ter em uma conjuntura democrática crítica como a vivenciada nos últimos anos. Se a linguagem artística não é um mero reflexo passivo da realidade, mas uma forma de manifestar posições e de expressar visões de mundo divergentes dos consensos sociais e das normas estabelecidas, como ela pode dialogar com a vida contemporânea acima esboçada? Escolha livremente um artista do Conteúdo Programático do Vestibular de Artes e Questões Contemporâneas de 2025 – músico, escritor, pintor, cineasta – e exemplifique de modo fundamentado como sua obra contém uma reflexão sobre algum dos elementos histórico-conjunturais apresentados por Castells.

A arte tem um papel crucial em tempos de crise, como os descritos por Manuel Castells em Ruptura: a crise da democracia liberal. Ela não se limita a reproduzir a realidade; antes, serve como ferramenta de contestação e reflexão crítica. Nesse sentido, artistas conseguem expressar resistências às crises sociais e políticas, questionando normas e propondo novas visões de mundo.

Partindo de dois autores do vasto Conteúdo Programático do Vestibular, pode-se destacar que, em Vidas Secas, Graciliano Ramos retrata a precariedade e a desumanização vividas por uma família de retirantes no sertão, evidenciando as condições de exploração e opressão que perpetuam a pobreza extrema. A obra reflete a "precariedade do trabalho" e os "salários de pobreza" apontados por Castells, oferecendo uma crítica às estruturas sociais que mantêm os mais vulneráveis em situações de privação.

Torto Arado aborda a luta de trabalhadores rurais no sertão baiano, destacando a resistência comunitária diante da violência estrutural e da exclusão. Itamar Vieira Junior revela as forças culturais e espirituais como elementos de resistência, de modo que aponta para a importância da coletividade na busca por transformação e dignidade, dialogando com as crises econômicas e sociais mencionadas por Castells.

Ambas as obras reafirmam o papel da literatura como espaço de denúncia e reflexão, questionando desigualdades e propondo caminhos de resistência em tempos de crise. Porém, outras linguagens artísticas, como o cinema, a música e as artes visuais, além da literatura, nos auxiliam na compreensão da realidade e suas contradições e crises.