Se a Questão 1 tratou de uma artista contemporânea, da segunda metade do século XX, Tarsila do Amaral (1883-1973) é a pintora consagrada do Modernismo, corrente cultural que ganha visibilidade no cenário nacional na esteira da Semana de Arte Moderna de 1922 e que se desdobra nos anos 1920 em vertentes artísticas como a Antropofagia, de que a tela acima, “Abaporu” (1928), é sua representação mais célebre e icônica.
A despeito das diferenças temporais, conceituais e técnicas que separam a modernista da concretista, proponha uma comparação entre “Os bichos” de Lygia Clark e o quadro de Tarsila, “Abaporu”, acima ilustrado. Tal proposta comparativa deve levar em consideração o comentário de Clark acerca do caráter orgânico e mutável de sua obra. Em que medida tal linha de raciocínio pode ser estendida à plasticidade corporal de “Abaporu”? Analise o caráter plástico do corpo humano – a etimologia indígena refere-se a um “homem que come gente” – adquirido nessa pintura de Tarsila e o quanto ele pode remeter à diversidade e ao interesse em torno dos tipos nacionais preconizados pelo modernismo.
Há um ponto de convergências entre Abaporu e Os bichos:
Há uma semelhança entre Abaporu e Os bichos, no que diz respeito ao aspecto da maleabilidade, conforme apontado por Lygia Clark no texto que deu base à questão 1: nessas obras, a torção (e distorção) dos corpos se apresenta como um dado fundamental. Em Bichos, a torção se realiza na própria materialidade da escultura, a partir da interferência do público. Em Abaporu, a distorção já está dada, e se revela pelo gigantismo dos membros inferiores da figura humana, bem como pelo nanismo da cabeça. Se considerada no contexto mais amplo do Modernismo brasileiro, Abaporu realiza um procedimento central do movimento: a deformação das imagens.
Mas há um outro ponto de convergência com o Modernismo brasileiro. Como a deformação está presente, como dado fundamental, nas estéticas do Cubismo e do Expressionismo, a assimilação dessas estéticas, empregada no contexto de uma tela que pretende representar uma figura tipicamente brasileira, pode ser interpretada como um procedimento alinhado à Antropofagia – movimento que estimula a assimilação de elementos estrangeiros como modo de se suscitar, pela síntese, aspectos nativos (primitivos) da natureza e da cultura brasileira.