INSTRUÇÕES PARA A REDAÇÃO
1. O rascunho da redação deve ser feito no espaço apropriado.
2. O texto definitivo deve ser escrito à tinta preta, na folha própria, em até 30 (trinta) linhas.
3. A redação que apresentar cópia dos textos da Proposta de Redação ou do Caderno de Questões terá o número de linhas copiadas desconsiderado para a contagem de linhas.
4. Receberá nota zero, em qualquer das situações expressas a seguir, a redação que:
4.1. tiver até 7 (sete) linhas escritas, sendo considerada “texto insuficiente”;
4.2. fugir ao tema ou não atender ao tipo dissertativo-argumentativo;
4.3. apresentar parte do texto deliberadamente desconectada do tema proposto;
4.4. apresentar nome, assinatura, rubrica ou outras formas de identificação no espaço destinado ao texto.
TEXTO I
Herança – o legado de crenças, conhecimentos, técnicas, costumes, tradições, transmitido por um grupo social de geração para geração; cultura.
HOUAISS, A.; VILLAR, M. S. Dicionário Houaiss da língua
portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009 (adaptado).
TEXTO II
As culturas africanas e afro-brasileiras foram relegadas ao campo do folclore com o propósito de confiná-las ao gueto fossilizado da memória. Folclorizar, nesse caso, é reduzir uma cultura a um conjunto de representações estereotipadas, via de regra, alheias ao contexto que produziu essa cultura.
OLIVEIRA, E. D. A epistemologia da ancestralidade. Entrelugares:
revista de sociopoética e abordagens afins, 2009.
TEXTO III
TEXTO IV
História afro-brasileira nas escolas: professoras comentam avanços e dificuldades
As aulas sobre escravidão eram motivo de vergonha para uma professora quando ela estudava em uma escola municipal na zona sul de São Paulo. “Era o meu pior momento na escola”, lembra a ex-aluna. Naquela época, a história da população negra no Brasil era reduzida ao horror do período escravocrata. Não se falava na escola sobre temas como a história e a cultura afro-brasileira, muito menos sobre as grandes personalidades negras do país, como Luiz Gama e Carolina Maria de Jesus.
A pedagoga, que é negra, tem orgulho de oferecer uma experiência diferente da que viveu em sala de aula para seus alunos. Agora os livros infantis levados para as turmas têm protagonistas pretos. Temas como a beleza do cabelo crespo e o combate ao racismo fazem parte do dia a dia da escola.
Disponível em: https://jornal.unesp.br.Acesso em: 3 jun. 2024 (adaptado).
TEXTO V
Histórias para ninar gente grande
G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira (samba-enredo de 2019)
Brasil, meu nego
Deixa eu te contar
A história que a história não conta
O avesso do mesmo lugar
Na luta é que a gente se encontra
Brasil, meu dengo
A Mangueira chegou
Com versos que o livro apagou
Desde 1500 tem mais invasão do que descobrimento
Tem sangue retinto pisado
Atrás do herói emoldurado
Mulheres, tamoios, mulatos
Eu quero um país que não está no retrato
Brasil, o teu nome é Dandara
E a tua cara é de cariri
Não veio do céu
Nem das mãos de Isabel
A liberdade é um dragão no mar de Aracati
Salve os caboclos de julho
Quem foi de aço nos anos de chumbo
Brasil, chegou a vez
De ouvir as Marias, Mahins, Marielles, malês
Disponível em: www.mangueira.com.br.
Acesso em: 30 maio 2024 (fragmento).
TEXTO VI
Alunos de escola municipal conhecem pontos do Rio que retratam relação com a África
PROPOSTA DE REDAÇÃO
A partir da leitura dos textos motivadores e com base nos conhecimentos construídos ao longo de sua formação, redija texto dissertativo-argumentativo em modalidade escrita formal da língua portuguesa sobre o tema “Desafios para a valorização da herança africana no Brasil”, apresentando proposta de intervenção que respeite os direitos humanos. Selecione, organize e relacione, de forma coerente e coesa, argumentos e fatos para defesa de seu ponto de vista.
REDAÇÃO ENEM 2024
Nesta edição de 2024, o ENEM trouxe como discussão, em sua proposta de redação, um tema atual e de grande relevância social: “Desafios para a valorização da herança africana no Brasil”. Como de costume, foi solicitada aos candidatos a elaboração de um texto dissertativo-argumentativo, neste ano com base em uma coletânea constituída por seis textos motivadores:
O texto I é uma “aterrissagem” no tema e, por isso, contribui para que o aluno compreenda melhor a frase temática e o significado das suas palavras-chave. Neste excerto, o verbete do dicionário “Houaiss” traz uma definição de “herança”, a saber, uma série de legados transmitidos de geração em geração, formando uma cultura, ou seja, aquilo que é cultivado.
O texto II, “A epistemologia da ancestralidade”, de Eduardo Oliveira, aponta como as culturas africanas foram reduzidas a aspectos folclóricos e estereotipados pela história “dita como oficial”, o que marginaliza esse grupo e suas manifestações. Trata-se de uma reflexão que poderia embasar a análise das causas da desvalorização da herança africana.
O texto III apresenta um provérbio africano: “Quando não souberes para onde ir, olha para trás e saiba pelo menos de onde vens”. Em outros termos, valorizar o passado é condição fundamental para pensar o futuro. Dessa forma, o reconhecimento do valor da cultura africana não é entendido como uma revisitação da história, mas como uma maneira de reinterpretar o presente e o futuro.
O texto IV, extraído do “Jornal da Unesp”, apresenta o relato de uma professora negra que destaca a necessidade de a escola construir narrativas que não reproduzam apenas o discurso da história do colonizador. A importância de narrativas decoloniais no ambiente escolar é fundamental para que os alunos tenham outros referenciais e compreendam a importância da representatividade em diferentes esferas sociais, o que poderia também ser aproveitado para refletir sobre as propostas de intervenção plausíveis.
O texto V traz o samba-enredo “Histórias Para Ninar Gente Grande”, de 2019, da Estação Primeira de Mangueira. A letra relembra e enaltece figuras históricas marginalizadas, como Dandara, e episódios frequentemente omitidos ou distorcidos nos livros de História do Brasil, a exemplo da abolição da escravidão, atribuída à Princesa Isabel. Vale lembrar que o título faz menção à obra “Canção para ninar menino grande”, de Conceição Evaristo.
Por fim, o texto VI pode desencadear reflexões sobre propostas de intervenção, uma vez que apresenta a imagem de um passeio escolar feito por alunos em um dos pontos relevantes da história de resistência negra, tal qual a Pedra do Sal, localizada no Rio de Janeiro. Trata-se, portanto, de um exemplo de como ações pontuais na educação formal de jovens podem contribuir para a valorização da herança dos povos africanos.
Encaminhamentos possíveis:
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Algumas das possíveis causas da desvalorização da herança africana no Brasil:
- A forma como a história do Brasil foi (ou é) tradicionalmente narrada, sob a ótica eurocêntrica e dominada pela visão do homem branco, constitui um discurso que desvaloriza ou subvaloriza a cultura africana. Essa abordagem exclui ou distorce a experiência e a contribuição de grupos minorizados, entre eles os povos africanos e afro-brasileiros, o que dificulta que sua herança seja reconhecida e valorizada. Nesse contexto, vale destacar a importância dos discursos das ciências humanas, especialmente na educação básica, para a formação da visão que temos do passado e, por conseguinte, das relações atuais que estabelecemos com os povos formadores de nossa sociedade.
- Persiste na sociedade brasileira um viés negativo em relação à memória e à cultura dos povos africanos, geralmente reduzida à escravidão e à marginalização de suas manifestações, como o que ocorreu com o samba (e suas variações), o rap, o funk, a capoeira ou a religiosidade. Uma vez estigmatizadas, as contribuições culturais não são percebidas como tais.
- A falta de conhecimento em relação às contribuições dos povos africanos para a cultura nacional deriva de uma falha na execução dos currículos da educação básica no país. A despeito da promulgação da Lei 11.645, de 10 de março de 2008, a qual tornou obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e indígena no ensino fundamental e médio em escolas públicas e particulares, há entraves para sua efetivação, como a deficiência na formação dos professores, a precária presença de livros sobre o tema nas bibliotecas dessas escolas e a pouca visibilidade do tema em exames vestibulares.
- A manutenção do pensamento racista, discriminatório e, por vezes, estereotipado em relação à cultura dos povos africanos dificulta o movimento de sua valorização. Os séculos de escravidão construíram uma visão de mundo enviesada que os desvaloriza, desqualifica seus elementos culturais e estabelece, portanto, as bases do racismo estrutural e sistêmico.
- Apesar de resistências ideológicas, o Estado tem sofrido pressões de setores políticos, artísticos e da sociedade civil em geral que clamam por medidas de valorização do passado africano nacional. São recentes, portanto, ações como a elaboração de leis que determinam feriados relacionados à tradição e valorização da cultura negra ou mesmo que estabelecem o estudo da história africana na educação básica. Por se tratarem de medidas recentes, elas ainda são incipientes frente a séculos de invisibilidade e desvalorização.
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Algumas das possíveis consequências da desvalorização:
- A intolerância religiosa pode ser observada como uma possível consequência, como em casos emblemáticos que vão desde o embranquecimento de entidades religiosas (como o da divindade Iemanjá), até a queima de diversos terreiros de umbanda e candomblé nos últimos anos ou a morte de lideranças religiosas, como a de Mãe Bernadete, ialorixá e líder quilombola de 72 anos morta a tiros em 2023.
- É possível observar, também, a tímida divulgação de importantes personalidades da cultura africana nos currículos escolares que, por vezes, privilegiam leituras de autores que reforçam um cânone eurocêntrico e excludente, ou as reflexões históricas e geográficas em torno de perspectivas pouco conectadas com a valorização da herança africana. Nomes como Zumbi dos Palmares, Luiz Gama e Carolina Maria de Jesus (conforme constam da coletânea) são estudados, em muitos contextos, com ênfase no sofrimento ou como efemérides, quando deveriam cruzar o currículo e as reflexões de toda a vida escolar, segundo a ótica da valorização cultural dos povos africanos.
- Por fim, a perpetuação de preconceitos e estereótipos são importantes consequências que fortalecem a marginalização, o apagamento e a ausência de representatividade de comunidades africanas. Dessa maneira, além da consequência imediata para as gerações atuais, a não perpetuação desses legados africanos faz com que as gerações que virão não se apropriem de sua ancestralidade, não criem sensação de identidade e pertencimento nem façam frente a injustiças e violências.
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Propostas de Intervenção para a valorização da herança africana no Brasil:
- Agentes: Ministério da Igualdade Racial (MIR) é o órgão do governo federal brasileiro que tem como propósito planejar, coordenar e executar políticas públicas para combater o racismo e promover a igualdade racial no país, bem como, por extensão, a valorização da herança cultural africana.
- Cultura na vida pública: pode-se pensar sobre a construção de memórias coletivas, como por meio de estátuas, monumentos e memoriais, bem como a devolução de objetos pertencentes à memória negra e que promovam a conscientização por intermédio do contato com eles.
- Educação antirracista: a promoção de caminhos para uma educação antirracista dentro das escolas, como também fora delas. Podem ser citadas datas comemorativas, como o Dia da Consciência Negra (20 de novembro, lei nº 14.759/2023) e também o Dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé (21 de março, lei nº 14.519/2023) como dias para além da comemoração simbólica ou do feriado, mas como, de fato, dias para a promoção de atividades que tragam momentos de reflexão, valorização da cultura negra.
- Desconstrução de estereótipos: a desconstrução de narrativas negativas sobre a população negra está diretamente relacionada ao desafio de mudar a percepção da sociedade sobre a contribuição da herança africana.
- Decolonialidade: pode ajudar a valorizar a herança africana, ao desafiar narrativas que desconsideram ou desvalorizam a contribuição africana e afro-brasileira para a cultura e o conhecimento do país. Ela pode promover a inclusão das histórias, cosmovisões, epistemologias (formas de entender o mundo) e práticas africanas e afro-brasileiras na educação, na arte, na filosofia e em outras áreas.
Considerando que a incorporação de repertório legitimado e autoral (ou seja, externo à coletânea) é fundamental na prova de redação do ENEM, o candidato poderia fazer referência, por exemplo, a leis, ideias de filosóficas, sociólogos ou produções audiovisuais pertinentes ao tema, tais como:
- Filosofia/Sociologia: "Pequeno Manual Antirracista" e “Lugar de fala”, de Djamila Ribeiro; Cida Bento; Lélia González; Sueli Carneiro; Grada Quilomba; Antônio Bispo dos Santos;
- Literatura: "O perigo de uma história única", de Chimamanda Ngozi Adichie; "Olhos d’Água", de Conceição Evaristo; "Nós matamos o cão tinhoso!", de Luís Bernardo Honwana; “Quarto de despejo”, de Carolina Maria de Jesus; “Água funda”, de Ruth Guimarães; “Niketche: Uma história de poligamia”, de Paulina Chiziane.
- Música: canções de Cartola, Racionais Mc 's, Emicida, Criolo e Djonga.
- Atualidades: Acordo de conciliação no território ocupado pelos quilombolas de Alcântara (MA).
- Autoridade: Mercedes Baptista, a primeira bailarina negra do corpo de baile permanente do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Atualmente, a artista tem uma estátua no Largo São Francisco da Prainha, Saúde, RJ.
- Podcast: Mano a Mano, episódio “Questão Quilombola”, Selma Dealdina Mbaye (secretária executiva da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas - Conaq) e Jurandy Pacífico (gestor cultural e liderança do Quilombo Pitanga de Palmares): “As pessoas desconhecem a história do Brasil. Quantas pessoas aqui estudaram sobre os quilombos na escola?”, questionou Mbaye.