“(...) Tão geladas as pernas e os braços e a cara que pensei em abrir a garrafa [de conhaque] para beber um gole, mas não queria chegar na casa dele meio bêbado, hálito fedendo, não queria que ele pensasse que eu andava bebendo, e eu andava, todo dia um bom pretexto, e fui pensando também que ele ia pensar que eu andava sem dinheiro, chegando a pé naquela chuva toda, e eu andava, estômago dolorido de fome, e eu não queria que ele pensasse que eu andava insone, e eu andava, roxas olheiras (...)”.
(ABREU, Caio Fernando. Além do ponto. Morangos Mofados. São Paulo: Companhia das
Letras, p. 42, 2019.)
No conto “Além do ponto”, observa-se que o contraste entre o “eu”, personagem que deseja, e o “ele”, personagem imaginado,
No trecho de “Além do ponto”, as formas verbais do pretérito imperfeito do indicativo são sempre associadas ao enunciador, o “eu” (“eu andava bebendo”, “eu andava sem dinheiro”, “eu andava insone”), enquanto as do pretérito imperfeito do subjuntivo estão sempre associadas ao “personagem imaginado” (“ele pensasse”). Esse recurso auxilia no estabelecimento do contraste entre as duas personagens.