Para responder à questão, leia o poema “Aproximação do terror”, de Murilo Mendes, escrito entre 1943 e 1945, mas publicado originalmente em 1947 no livro Poesia Liberdade.
1
Dos braços do poeta
Pende a ópera do mundo
(Tempo, cirurgião do mundo): —
O abismo bate palmas,
A noite aponta o revólver.
Ouço a multidão, o coro do universo,
O trote das estrelas
Já nos subúrbios da caneta:
As rosas perderam a fala.
Entrega-se a morte a domicílio.
Dos braços…
Pende a ópera do mundo.
2
Tenho que dar de comer ao poema.
Novas perturbações me alimentam:
Nem tudo o que penso agora
Posso dizer por papel e tinta.
O poeta já nasce conscrito,
Atento às fascinantes inclinações do erro,
Já nasce com as cicatrizes da liberdade.
O ouvido soprando sua trompa
Percebe a galope
A marcha do número 666.
Palpo1 a Quimera2.
O tremor
E os jasmins da palavra “jamais”.
3
Dos telhados abstratos
Vejo os limites da pele,
Assisto crescerem os cabelos dos minutos
No instante da eternidade.
Vejo ouvindo, ouço vendo.
Considero as tatuagens dos peixes,
O astro monossecular.
Os rochedos colocam-se máscaras contra pássaros asfixiantes.
A grande Babilônia ergue o corpo de dólares.
Ruído surdo, o tempo oco a tombar…
A espiral das gerações cresce.
(Murilo Mendes. Antologia poética, 2014.)
1palpar: apalpar.
2Quimera: monstro mitológico com cabeça de leão, corpo de cabra e cauda de serpente.
Considerando a época de produção do poema (Estado Novo), remeteria de modo mais explícito ao contexto de censura o seguinte trecho:
O conjuntos dos versos “Nem tudo o que penso agora / Posso dizer por papel e tinta.” (4ª estrofe) faz referência direta à censura do Estado Novo, quando o eu afirma não poder expressar suas opiniões e posicionamentos, principalmente por escrito, o que dá a entender que sabe do controle do governo sobre as ideias em circulação durante a ditadura de Getúlio Vargas.