Ao tratar do drama da personagem de Tomás Antonio Gonzaga, o narrador de O romanceiro da Inconfidência descreve-o do seguinte modo:

“Tanto impou de namorado!
E agora, quando se mira
vê-se um mísero coitado...
(como lá diz numa lira...)
- Se nas águas se mirasse,
veria ralo o cabelo
- Um par de esporas, somente.
E murcha e pálida, a face. 

- Falta-lhe aquele desvelo
da sua pastora terna...
- Deveria socorrê-lo..
-... a quem dará glória eterna!... –
Ai, que ricos libertinos!
Tudo era Inglaterra e França,
e, em redor, versos latinos...

- lá se lhes foi a esperança!
- Mas segue com seus embargos.
(Quem porfia, sempre alcança...)
- Os argumentos são largos.
- Que tem luzes, ninguém nega,
- Mas são coisas da Fortuna,
que bem se sabe ser cega...

- Não lhe sendo a hora oportuna,
perder-se-á tudo que alega”. 

a) Quais aspectos do Arcadismo aparecem nessa caracterização?

b) Em que medida o poema de Cecília Meireles contradiz esses aspectos?

a) Como é frequente em textos árcades, o ambiente apresentado no poema faz referência a um espaço natural bucólico: “– Se nas águas se mirasse”. O texto de Cecília Meireles também pode ser relacionado à convenção pastoril do movimento setecentista: “– Falta-lhe aquele desvelo / da sua pastora terna...” Por fim, há a presença de referências à mitologia greco-latina, por meio da menção à “Fortuna”, deusa que dirigia o acaso nas trajetórias humanas.

b) O poema de Cecília Meireles contradiz os típicos aspectos do Arcadismo porque não se vale da idealização de um locus amoenus (lugar aprazível, ameno), onde o pastor vivencia ternos jogos amorosos com a sua musa. Aqui, Gonzaga não é o pastor apaixonado, caracterizado de forma positiva e otimista. Está decadente, tem cabelo ralo e uma face “murcha e pálida”, exatamente por ter sido afastado de sua musa inspiradora. Segundo o poema de Cecília, os ideais iluministas não foram suficientes para a resolução do conflito, uma vez que a “Fortuna” é cega. Dessa forma, o texto não endossa a postura racional que predomina na poesia árcade.