Leia os excertos para responder à questão.

I.

Quincas Borba

Os personagens de Machado de Assis eram tão medíocres que, enquanto outros loucos do mundo bancavam Napoleão o Grande, o de Machado de Assis contentava-se em ser Napoleão III.

Mario Quintana. Caderno H.

II.

Hegel observa em uma de suas obras que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa. (...) Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos.

Karl Marx. O 18 Brumário de Luís Bonaparte.

a) A mediocridade caracteriza, em geral, o sujeito médio, incapaz de se sobrepor às circunstâncias com que se defronta diretamente. Nesse sentido, Rubião é uma personagem medíocre. Comente.

b) Ao comparar os impérios de tio e sobrinho – Napoleão I e Napoleão III –, na França, Marx considera que os dois golpes representaram, respectivamente, uma tragédia e uma farsa. Por que se pode dizer que a loucura do vencido Rubião, vivida na história brasileira, possui aspectos sérios e risíveis? Justifique.

a) A caracterização de Rubião, em Quincas Borba, encontra pontos de coincidência com a definição de mediocridade apresentada no enunciado. No capítulo L do romance, o Palha afirma que Rubião é um “simplório”, isto é, um homem tolo, de cuja credulidade se aproveitam interesseiros como o casal Cristiano e Sofia. De fato, o protagonista se comporta como alguém “incapaz de se sobrepor às circunstâncias com que se defronta diretamente”, na medida em que não percebe as armadilhas das quais é vítima e tampouco as intenções de muitos dos que se aproximam dele. Para o leitor, o comportamento de Rubião é visto com certa dose de surpresa pela facilidade com que ele se deixa levar por indivíduos cujo péssimo caráter se mostra de maneira bastante evidente na narrativa. Pode-se acrescentar, como elementos que confirmam essa mediocridade: a passividade de Rubião diante de seu destino de herdeiro inesperado; sua dificuldade em compreender os princípios básicos da filosofia de seu amigo Quincas Borba; e, por fim, sua obsessão pela figura de Napoleão III, que, em comparação com o tio, Napoleão I, faz igualmente figura medíocre.

b) A loucura de Rubião tem muito de risível. Em um estágio mais avançado dela, ele será, inclusive, alvo de brincadeiras e chacotas, corroboradas pelo Palha, que rirá de suas manifestações. No desenvolvimento da doença, ao encarnar a figura de Napoleão III, Rubião dá ordens a um exército que só ele enxerga, e declara-se à Sofia, tomando-a por amante de Luís, o prenome do imperador francês. No encerramento da trama, Rubião cinge sobre si uma coroa inexistente, mostrando-se digno de piedade e de mofa até o fim. Nessa mesma cena final, nota-se a presença da ferina ironia de Machado de Assis: Rubião, vencido, desprovido daquilo que, até então, fazia dele um vencedor, isto é, a posse das batatas, dos bens materiais que lhe haviam sido subtraídos, não tem tempo sequer de pronunciar a palavra “batatas”, morrendo antes de concluir a máxima central do Humanitismo: “Ao vencedor...”. Sequer a palavra restou de todas as batatas que lhe foram roubadas.

Por outro lado, a loucura de Rubião deve ser vista como manifestação séria de certa visão da sociedade brasileira. Naquele final de século XIX, o país passava por um processo de modernização. Na trama, esse processo é representado pelos instrumentos encontrados por Cristiano Palha para se apropriar da fortuna do suposto amigo, como a constituição de uma empresa cujo capital era controlado por ambos. No entanto, a empresa é apenas fachada para uma exploração desenfreada e para o roubo mais explícito, cujas evidências escapam às práticas mais sutis presentes naquela modernização, aproximando-se da barbárie do assalto à mão armada. Dessa forma, o livro aponta para os riscos da almejada transformação do Rio de Janeiro em uma Paris dos trópicos: sob esse suposto avanço, escondia-se o fato de que a modernização beneficiava alguns e reduzia outros à condição de objetos a serem explorados.