a) A designação de “gauche” é atribuída ao eu lírico por “...um anjo torto / desses que vivem na sombra”, no “Poema de sete faces” de Carlos Drummond de Andrade, e explicita um sentimento de inadequação do sujeito frente ao universo em que vive, que pode ser compreendido como uma maldição ou como uma bênção, dependendo do ponto de vista. O eu percebe-se deslocado em relação ao espaço que ocupa e à visão de mundo que pratica. É “gauche” em um mundo desenhado em linhas retas. É a partir dessa posição marcada por ambiguidade que são desenvolvidos os conflitos e angústias contidos na busca por uma integração impossível e que se configuram como a essência da poesia drummondiana em sua produção inicial.

Na canção de Caetano Veloso, a ideia do deslocamento do sujeito também está presente. O eu foi designado por “anjos tronchos” a “ser virtuoso no vício”. Compreende-se, então, que o estado de inadequação e deslocamento do mundo concreto em função da tecnologia, por mais viciosa que esta seja, pode, no processo específico do sujeito lírico, ser ressignificado como virtude.

b) Nos versos “a tarde talvez fosse azul / não houvesse tantos desejos”, de Drummond, há uma oposição entre “azul” e “desejos”, o que indica que a tarde poderia ser marcada por paz e tranquilidade, não fossem os desejos que acometem o eu poético, afastando-o desse estado. O efeito simbólico adquirido pelo azul sugere imensidão e pureza, uma vez que o uso do termo se refere à cor do céu. Na letra de Caetano Veloso, o azul é uma menção às luzes emitidas por telas de dispositivos digitais, como computadores e smartphones. Dessa maneira, o efeito simbólico do emprego da cor azul é oposto. Não se trata de algo natural como o céu, mas sim criado artificialmente pelo homem, em referência ao incessante desenvolvimento tecnológico, compreendido pelo autor como nocivo.