Leia o texto para responder à questão.

“Quando falo de humanidade não estou falando só do Homo sapiens, me refiro a uma imensidão de seres que nós excluímos desde sempre: caçamos baleia, tiramos barbatana de tubarão, matamos leão e o penduramos na parede para mostrar que somos mais bravos que ele. Além da matança de todos os outros humanos que a gente achou que não tinham nada, que estavam aí só para nos suprir com roupa, comida, abrigo. Somos a praga do planeta, uma espécie de ameba gigante. Ao longo da história, os humanos, aliás, esse clube exclusivo da humanidade — que está na declaração universal dos direitos humanos e nos protocolos das instituições —, foram devastando tudo ao seu redor. É como se tivessem elegido uma casta, a humanidade, e todos que estão fora dela são a sub-humanidade. Não são só os caiçaras, quilombolas e povos indígenas, mas toda vida que deliberadamente largamos à margem do caminho. E o caminho é o progresso: essa ideia prospectiva de que estamos indo para algum lugar. Há um horizonte, estamos indo para lá, e vamos largando no percurso tudo que não interessa, o que sobra, a sub-humanidade — alguns de nós fazemos parte dela.

É incrível que esse vírus que está aí agora esteja atingindo só as pessoas. Foi uma manobra fantástica do organismo da Terra tirar a teta da nossa boca e dizer: ‘Respirem agora, quero ver’. Isso denuncia o artifício do tipo de vida que nós criamos, porque chega uma hora que você precisa de uma máscara, de um aparelho para respirar, mas, em algum lugar, o aparelho precisa de uma usina hidrelétrica, nuclear ou de um gerador de energia qualquer.

E o gerador também pode apagar, independentemente do nosso decreto, da nossa disposição. Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. Não é preciso nenhum sistema bélico complexo para apagar essa tal de humanidade: se extingue com a mesma facilidade que os mosquitos de uma sala depois de aplicado um aerossol. Nós não estamos com nada: essa é a declaração da Terra.”

Ailton Krenak. A vida não é útil. 2020.

a) Identifique o processo de formação das palavras “humanidade” e “sub-humanidade”, bem como o seu sentido no texto.

b) Mantendo a correlação verbal, reescreva, na folha de respostas, o trecho a seguir iniciando por “Estávamos”.

Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre.

a) A palavra “humanidade” é formada por derivação sufixal, a partir da base “humano”. Já a palavra “sub-humanidade” é formada por derivação prefixal, a partir de “humanidade”.

Na primeira ocorrência da palavra “humanidade”, o autor alarga o seu sentido, incluindo nela animais que são  mortos pelos seres humanos (são citados a baleia, o tubarão e o leão). Com isso, ele procura dar a esses animais um valor e direitos que normalmente lhes são negados, contrapondo-se assim à visão de que eles existem apenas para atender às demandas humanas.

Nas demais ocorrências, o termo é empregado no sentido denotativo, mas com uma visão negativa sobre a ação dos seres humanos: “foram devastando tudo ao seu redor”.

A sub-humanidade constitui não apenas o grupo de minorias (caiçaras, quilombolas e povos indígenas), mas também os demais seres vivos desprezados (“largamos à beira do caminho”) em nome de um pretenso progresso.

b) Estávamos sendo lembrados de que éramos tão vulneráveis que, se cortassem nosso ar por alguns minutos, a gente morreria.