Texto 1
Examine as tirinhas* do cartunista André Dahmer, publicadas em sua conta no Instagram, em 28.02.2023, 22.02.2023, 23.02.2023 e 13.05.2023.
* Vestido com uma roupa amarela e laranja de proteção contra incidentes nucleares, o personagem das tirinhas personifica as programações dos algoritmos.
Texto 2
Tornou-se impossível pensar no dia a dia sem a internet. “O impacto das novas tecnologias digitais sobre a vida das pessoas, das economias e de todas as sociedades pelo mundo afora aumenta de forma muito rápida”, constata Glauco Arbix, professor do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo. E essas transformações devem se aprofundar ainda mais em um curto prazo de tempo, uma vez que as pesquisas sobre a rede internacional de computadores preveem que, nos próximos quatro anos, o mundo vai saltar de 3,4 bilhões de usuários para 4,8 bilhões, o que representa 1,4 bilhão de pessoas a mais utilizando a internet, ou 60% da população global conectada à rede em 2022. Claro que em algumas regiões — sobretudo América do Norte e Europa — o percentual de usuários é bastante alto (cerca de 90% da população). No entanto, para que tudo funcione a contento, a tecnologia precisa ser melhorada. E isso já está acontecendo.
(“Não dá para pensar em um mundo sem internet”. https://jornal.usp.br, 10.12.2018. Adaptado.)
Texto 3
Daria para erguer uma pequena montanha com todos os livros que, na última década, criticaram ou nos advertiram contra vários aspectos da internet e das mídias sociais. Um atributo comum compartilhado por todos esses livros, no entanto, é a suposição sem ressalvas da permanência e inevitabilidade da internet como elemento definidor da vida social, econômica e cultural. Em suma, o discurso público sobre as tecnologias de rede se restringe a propostas de aprimoramento e modificação de um sistema existente e que é aceito como uma realidade inescapável. Com Terra arrasada, eu estava determinado a não acrescentar mais um livro a essa pilha de textos inerentemente reformistas. Muito pelo contrário, busquei dar voz à necessidade de rejeição e à urgência na imaginação e no empenho rumo a formas de vida e de estar uns com os outros fora das rotinas desalentadoras que nos são impostas por corporações poderosas. Uma das metas era contestar a suposição generalizada de que as tecnologias de rede que dominam e deformam nossas vidas “vieram para ficar”.
A onipresença da internet desfigura inexoravelmente nossa percepção e as capacidades sensoriais necessárias para que conheçamos e nos liguemos afetivamente a outras pessoas. Se for possível um futuro habitável e partilhado em nosso planeta, será um futuro off-line, desvinculado dos sistemas destruidores de mundo e das operações do capitalismo 24/71. Há, hoje, em meio à intensificação dos processos de derrocada social e ambiental, uma conscientização cada vez maior de que uma vida diária obscurecida em todos os aspectos pelo complexo internético cruzou um limiar de irremediabilidade e toxicidade. Para a maioria da população da Terra à qual foi imposto, o complexo internético é o motor implacável do vício, da solidão, das falsas esperanças, da crueldade, da psicose, do endividamento, da vida desperdiçada, da corrosão da memória e da desintegração social. Todos os seus alardeados benefícios tornam-se irrelevantes ou secundários diante desses impactos nocivos e sociocidas2.
(Jonathan Crary. Terra arrasada: além da era digital, rumo a um mundo pós-capitalista, 2023. Adaptado.)
124/7: abreviação para “24 horas por dia, 7 dias por semana”.
2sociocida: que dissolve a sociedade, que é contrário à sociedade.
Com base nos textos apresentados e em seus próprios conhecimentos, escreva um texto dissertativo-argumentativo, empregando a norma-padrão da língua portuguesa, sobre o tema:
É possível um futuro off-line?
Este ano, a Unesp requisitou aos candidatos, em sua prova de redação, uma dissertação em prosa sobre o tema “É possível um futuro off-line?”. Essa temática, como vem sendo característica das propostas desse vestibular, tem um caráter mais abstrato e filosófico, que instiga os estudantes a ponderar sobre questões atuais e profundamente enraizadas na sociedade digital.
A coletânea apresenta quatro tirinhas de André Dahmer, um trecho de reportagem do Jornal da USP e um excerto de um livro sobre o tema. No texto 1, as quatro tirinhas apresentam um personagem interagindo com diferentes pessoas, oferecendo conteúdos sensacionalistas ou triviais da internet. A temática central é uma crítica ao bombardeio de informações superficiais e à cultura da busca por “cliques”. Já no texto seguinte, Glauco Arbix, professor da Universidade de São Paulo, destaca a crescente influência das tecnologias digitais na vida cotidiana, na economia e na sociedade global. Ele observa que a internet tornou-se indispensável e que o número de usuários deve aumentar significativamente. Por fim, no texto 3, Jonathan Crary, professor de arte moderna da Universidade de Columbia, questiona a aceitação sem resistência da internet como um elemento permanente e inevitável da vida social, econômica e cultural. Ele argumenta contra a visão predominante de que a internet é uma realidade inescapável e busca imaginar um futuro off-line.
Encaminhamentos possíveis
Dado que o tema é apresentado como uma questão, é fundamental que a redação ofereça uma resposta explícita. Isso não implica que a argumentação deva se limitar estritamente a um ponto de vista afirmativo ou negativo, mas sim que deve ser expressa uma opinião definida, mesmo que acompanhada de considerações adicionais. Com isso em mente, é viável desenvolver, entre outros, os seguintes encaminhamentos:
- definição e reflexão sobre a vida off-line: uma abordagem possível é definir o que significa "viver off-line" no contexto atual, destacando a onipresença da tecnologia e da internet em nossas vidas. Pode-se argumentar que, embora tecnicamente possível, a vida fora das redes apresenta desafios significativos em um mundo interconectado, o que impacta a comunicação, bem como o acesso a informações e oportunidades educacionais e profissionais. Nesse sentido, conviria apresentar os dados e informações presentes no Texto 2;
- análise crítica da dependência tecnológica: outro encaminhamento é analisar criticamente a dependência da sociedade em relação à tecnologia, em diálogo com as tirinhas do Texto 1. Pode-se argumentar que, apesar dos benefícios da conectividade, a hiperconectividade tem levado a problemas como a sobrecarga de informações inúteis e apelativas, questões de privacidade e impactos na saúde mental, o que poderia justificar a escolha de uma vida off-line. Nesse sentido, era possível citar a obra Sociedade do Cansaço, do filósofo Byung-Chul Han, ou o documentário “O dilema das redes”, que trata das consequências negativas da dependência das redes sociais;
- referências à literatura distópica: obras como "1984", de George Orwell, ou "Admirável Mundo Novo", de Aldous Huxley, poderiam ser citadas no sentido de que exploram sociedades altamente controladas e tecnologicamente avançadas, o que se relaciona a preocupações com a vigilância e a perda da privacidade. No cinema, o filme "Matrix" também é uma referência viável, já que a saída das redes é relacionável à libertação da matrix retratada na obra;
- viver off-line como resistência cultural: uma perspectiva interessante é considerar a escolha de viver off-line como uma forma de resistência cultural e social, o que acompanha as ideias do texto 3. Nesse sentido, pode-se discutir como a desconexão intencional é um ato de busca por autenticidade, simplicidade e uma rejeição da homogeneização cultural promovida pela globalização digital. Para essa abordagem, poderiam ser citados filósofos como o existencialista Jean-Paul Sartre para explorar conceitos de liberdade, escolha e autenticidade no contexto da vida digital.