Para responder a questão, leia o trecho do ensaio “A corrida armamentista do consumo”, do economista e filósofo Eduardo Giannetti.

Imagine uma corrida em que os contendores se afastam cada vez mais do objetivo pelo qual competem. A corrida armamentista stricto sensu tem dinâmica e propriedades conhecidas: um país, por qualquer motivo, decide se armar; os países vizinhos sentem-se vulneráveis e decidem fazer o mesmo a fim de não ficarem defasados; sua reação, porém, deflagra uma nova rodada de investimento bélico no primeiro país, o que obriga os demais a seguirem outra vez os seus passos. A escalada armamentista leva os participantes a dedicarem uma parcela crescente da sua renda e trabalho à garantia da segurança externa, mas o resultado é o contrário do pretendido. O objetivo da máxima segurança redunda, ao generalizar- -se, na insegurança geral — um tênue e onipresente equilíbrio armado do terror.

A corrida armamentista do consumo tem uma lógica semelhante. Nenhum consumidor é uma ilha: existe uma forte e intrincada interdependência entre os anseios de consumo das pessoas. Aquilo que cada uma delas sente que “precisa” ou “não pode viver sem” depende não só dos seus “reais desejos e necessidades” (como se quiser defini-los), mas também — e, talvez, sobretudo, ao menos nas sociedades mais afluentes — daquilo que os outros ao seu redor possuem. Ocorre, contudo, que a cada vez que um novo artigo de consumo é introduzido no mercado e passa a ser usado, desfrutado ou ostentado por aqueles que pertencem ao nosso grupo de referência — restrito a amigos, parentes e vizinhança no passado, hoje expandido pelo big bang das mídias, blogs e redes digitais — o equilíbrio se rompe e o desconforto causado pela percepção da falta atiça e impele, como ardência de queimadura, à ação reativa da compra do bem. Porém, quando todos se empenham em alcançar os que estão em cima — ou ao menos não ficar demasiado atrás deles —, eles passam a trabalhar mais (e/ou se endividar) a fim de poder gastar mais, ao passo que o maior nível de gasto e consumo se torna, por sua vez, “o novo normal”. A lógica da situação obriga-os a correr cada vez mais depressa, como hamsters confinados a esferas rotatórias, para não sair do lugar. Todos pioraram em relação ao status quo ante, pois agora precisam ganhar mais (e/ou estão mais endividados), e nenhum dos envolvidos, a não ser que adote a opção radical de se tornar um “excêntrico” e “pular fora do carrossel”, consegue isoladamente escapar da armadilha.

(Eduardo Giannetti. Trópicos utópicos, 2016. Adaptado.)

a) O que o autor entende por “corrida armamentista do consumo”? De que imagem (ou alegoria) o autor se vale no segundo parágrafo para ilustrar a dinâmica dessa corrida armamentista do consumo?

b) Transcreva um pequeno trecho do texto em que o narrador se dirige diretamente a seu leitor. Justifique sua escolha.

a) A “corrida armamentista do consumo” faz com que as pessoas, por influência de quem está à sua volta, desejem cada vez mais artigos que são valorados positivamente pela sociedade. Como sempre há novos artigos de consumo que entram em circulação, “o desconforto causado pela percepção da falta atiça e impele, como ardência de queimadura, à ação reativa da compra do bem”, num processo contínuo, que lembra a corrida armamentista. Por isso, o texto se vale da seguinte alegoria: as pessoas estão correndo “cada vez mais depressa, como hamsters confinados a esferas rotatórias, para não sair do lugar”.

b) No primeiro período do texto (“Imagine uma corrida em que os contendores se afastam cada vez mais do objetivo pelo qual competem.”), o narrador – pelo emprego do imperativo – convida o leitor a imaginar uma situação, estabelecendo com ele uma interlocução direta.