Para responder a questão, leia o poema “Círculo vicioso”, de Machado de Assis.

Círculo vicioso

Bailando no ar, gemia inquieto vaga-lume:
— “Quem me dera que fosse aquela loura estrela,
Que arde no eterno azul, como uma eterna vela!”
Mas a estrela, fitando a lua, com ciúme:

— “Pudesse eu copiar o transparente lume1,
Que, da grega coluna à gótica janela,
Contemplou, suspirosa, a fronte amada e bela!”
Mas a lua, fitando o sol, com azedume:

— “Mísera! tivesse eu aquela enorme, aquela
Claridade imortal, que toda a luz resume!”
Mas o sol, inclinando a rútila capela2:

— “Pesa-me esta brilhante auréola de nume3...
Enfara4-me esta azul e desmedida umbela5...
Por que não nasci eu um simples vaga-lume?”

(José Lino Grünewald (org.). Grandes sonetos da nossa língua, 1987.)

1lume: luz, brilho, claridade.
2rútila capela: cintilante grinalda.
3nume: ser ou potência divina, divindade.
4enfarar: entediar.
5umbela: qualquer objeto ou estrutura em forma de guarda-chuva.

a) Que sentimento permeia todo o poema? O que motiva esse sentimento?

b) Além das vozes do vaga-lume, da estrela, da lua e do sol, que outra voz há no poema? Transcreva um verso em que essa outra voz se manifesta.

a) O sentimento que permeia todo o poema é a inveja. Ela tem como motivo o fato de as personagens suporem que o outro – seja a estrela no olhar do vaga-lume, a lua no da estrela, o sol no da lua ou o vaga-lume no do sol – está numa situação melhor, mais proveitosa, mais agradável. Essa suposição, que projeta qualidades no observado e uma falta no observador, infeliz por não poder supri-la e incapaz de aproveitar as próprias vantagens, causa o sentimento da inveja.

b) Pode-se identificar uma quinta voz, que seria a do narrador, ou a voz narrativa. É ela quem relata as ações e incorpora ao texto as falas das personagens, em discurso direto. Há quatro versos onde predomina a voz narrativa, dos quais se poderia transcrever qualquer um. São eles:  “Bailando no ar, gemia inquieto vaga-lume” (estrofe 1, verso 1); “Mas a estrela, fitando a lua, com ciúme:” (estrofe 1, verso 4); “Mas a lua, fitando o sol, com azedume:” (estrofe 2, verso 4); e “Mas o sol, inclinando a rútila capela:” (estrofe 3, verso 4).