INSTRUÇÕES PARA A REDAÇÃO
1. O rascunho da redação deve ser feito no espaço apropriado.
2. O texto definitivo deve ser escrito à tinta preta, na folha própria, em até 30 (trinta) linhas.
3. A redação que apresentar cópia dos textos da Proposta de Redação ou do Caderno de Questões terá o numero de linhas copiadas desconsiderado para a contagem de linhas.
4. Receberá nota zero, em qualquer das situações expressas a seguir, a redação que:
4.1. tiver até 7 (sete) linhas escritas, sendo considerada “texto insuficiente”:
4.2. fugir ao tema ou não atender ao tipo dissertativo-argumentativo;
4.3. apresentar parte do texto deliberadamente desconectada do tema proposto:
4.4. apresentar nome, assinatura, rubrica ou outras formas de identificação no espaço destinado ao texto.
TEXTO I
O trabalho de cuidado não remunerado e mal pago e a crise global da desigualdade
O trabalho de cuidado é essencial para nossas sociedades e para a economia. Ele inclui o trabalho de cuidar de crianças, idosos e pessoas com doenças e deficiências físicas e mentais, bem como o trabalho doméstico diário que inclui cozinhar, limpar, lavar, consertar coisas e buscar água e lenha. Se ninguém investisse tempo, esforços e recursos nessas tarefas diárias essenciais, comunidades, locais de trabalho e economias inteiras ficariam estagnados. Em todo o mundo, o trabalho de cuidado não remunerado e mal pago é desproporcionalmente assumido por mulheres e meninas em situação de pobreza, especialmente por aquelas que pertencem a grupos que, além da discriminação de gênero, sofrem preconceito em decorrência de sua raça, etnia, nacionalidade e sexualidade. As mulheres são responsáveis por mais de três quartos do cuidado não remunerado e compõem dois terços da força de trabalho envolvida em atividades de cuidado remuneradas.
Documento Informativo - Tempo de Cuidar. Disponível em
https://www.oxfam.org.br Acesso em tSdejul de 2023 (adaptado)
TEXTO II
Média de horas dedicadas pelas pessoas de 14 anos ou mais de idade aos afazeres domésticos e/ou às tarefas de cuidado de pessoas, por sexo
TEXTO III
A sociedade brasileira tem passado por inúmeras transformações sociais ao longo das últimas décadas. Entre elas, as percepções sociais a respeito dos valores e das convenções de gênero e a forma como mulheres têm se inserido na sociedade. Algumas permanências, porém, chamam a atenção, como a delegação quase que exclusiva às famílias - e, nestas, às mulheres - de atividades relacionadas à reprodução da vida e da sociedade, usualmente nominadas trabalho de cuidado.
Disponível em https //repositorio.ipea.gov.br
Acesso em 24 maio 2023 (adaptado)
TEXTO IV
PROPOSTA DE REDAÇÃO
A. partir da leitura dos textos motivadores e com base nos conhecimentos construídos ao longo de sua formação, redija texto dissertativo-argumentativo em modalidade escrita formal da língua portuguesa sobre o tema “Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil”, apresentando proposta de intervenção que respeite os direitos humanos. Selecione, organize e relacione, de forma coerente e coesa, argumentos e fatos para a defesa de seu ponto de vista.
Nesta edição de 2023, o ENEM trouxe como discussão, em sua proposta de redação, um tema atual e de grande relevância social: “Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil”. Como de costume, foi solicitada aos candidatos a elaboração de um texto dissertativo-argumentativo com base em quatro textos motivadores:
O texto I da coletânea é aquele de “aterrissagem”, e por isso funciona para que o aluno se situe sobre o tema e compreenda melhor o significado das palavras-chave. Neste excerto, retirado de um documento informativo do site da Oxfam, caracteriza-se o que é trabalho de cuidado e a quem, geralmente, dentro de uma sociedade, esse tipo de atividade é atribuído. Segundo o texto, trata-se de um trabalho essencial para o bom funcionamento das sociedades e da economia, no entanto, é extremamente desvalorizado, mal remunerado (ou nem mesmo remunerado) e “desproporcionalmente assumido por mulheres e meninas”, especialmente por aquelas que pertencem a uma situação de pobreza. Por fim, destaca-se que, para além do recorte de gênero, é um problema relacionado, também, a questões de raça, etnia, nacionalidade e sexualidade.
O texto II apresenta uma tabela do IBGE que explicita, por gênero, a quantidade de tempo que pessoas com 14 anos ou mais dedicam a trabalhos de cuidado (afazeres domésticos e cuidado de pessoas). Aqui, fica explícito que mulheres dedicam praticamente o dobro de tempo (21,4 horas semanais) a esse tipo de atividade quando comparadas aos homens (11 horas semanais). Apesar de a tabela trazer uma informação que data do ano de 2019, os dados aqui presentes poderiam, tranquilamente, ser utilizados pelo candidato como algo que ainda reflete o atual cenário.
O texto III reforça as informações presentes nos textos anteriores ao afirmar que ainda há a permanência de alguns comportamentos conservadores, como a atribuição, às mulheres, de tarefas domésticas e de cuidado, ainda que ao longo dos anos a sociedade tenha passado por mudanças no que tange ao papel feminino – trazendo sua maior inserção em certas dinâmicas sociais.
Por fim, o texto IV é a capa de uma das edições da revista Fapesp que explicita um importante fenômeno da contemporaneidade – presente, inclusive, em diversos países –, que é o aumento da demanda por serviços de cuidado (sendo que um dos motivos disso, inclusive, é o envelhecimento populacional). Isso significa que os países precisam pensar em políticas públicas de reformulação de seus serviços de cuidado. Claramente, trata-se de um texto que ajuda o candidato a pensar em proposta de intervenção ao sugerir que este é um problema que demanda ações mais diretas do Estado, para além da conscientização dentro das famílias.
Encaminhamentos possíveis:
- Algumas das possíveis causas da desvalorização:
- Cultura patriarcal
O patriarcado normaliza a disparidade de gênero ao destinar à mulher um trabalho gratuito e invisível na geração da vida e do cuidado. Os candidatos poderiam mostrar exemplos estruturais dessa prática: desde pequenas, as meninas são incentivadas a brincarem de bonecas e casinha, por exemplo.
- Modelo de produção neoliberal
A lógica de produção neoliberal é baseada na exploração de mão de obra de alguns grupos. Apesar de não remunerado, o valor das atividades de cuidado exercidas pelas mulheres à economia global é de US$ 10,8 trilhões por ano, três vezes maior que o valor da indústria de tecnologia, segundo dados do Laboratório Think Olga.
- Trabalho reprodutivo e não remunerado para manutenção da vida
Como apontado pelo texto II, mulheres e meninas ao redor do mundo dedicam mais tempo ao trabalho de cuidado não remunerado. Geralmente, este é desempenhado por mulheres (mães, avós, tias, irmãs, vizinhas…) que se tornam responsáveis por tarefas como higiene, educação, segurança, alimentação, entretenimento, saúde, além delas serem encarregadas da chamada "carga mental", gestão, organização e planejamento das atividades domésticas.
- Trabalho produtivo e mal remunerado
Além das baixas remunerações, os trabalhos de cuidado - exercido por babás, trabalhadoras domésticas, cuidadoras de idosos, dentre outras - são, sobretudo, informais, o que indica a precarização e a falta de direitos trabalhistas para essas profissões. Além da invisibilidade dessas funções, o candidato poderia indicar questões de interseccionalidade, como mulheres negras receberem, estatisticamente, remunerações mais baixas.
- Predominância de professoras na educação básica
O ensino básico brasileiro é desempenhado, majoritariamente, por mulheres, já que 1,8 milhões (79,2%) do corpo docente são professoras, de acordo com o Censo Escolar 2022, divulgados pelo Ministério da Educação (MEC) e pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Na educação infantil, início da trajetória escolar regular, elas são praticamente a totalidade: 97,2%, nas creches e 94,2%, na pré-escola. Os dados mostram o quanto a função do cuidado e do maternar é exigido das mulheres.
- Presença de poucas políticas afirmativas, por parte do Estado
O Estado precisa ter uma presença mais ativa no que tange à economia do cuidado, já que existe uma defasagem de creches, ausência de legislação que assegure os direitos das mulheres submetidas a esse tipo de trabalho, falta de reconhecimento dos profissionais que trabalham com cuidado etc.
- Intensificação desses problemas no contexto da pandemia
O isolamento social e a consequente falta de rede de apoio (escola, babás, domésticas, creches, escolas, familiares…) sobrecarregou as mulheres com o cuidado dos filhos e da casa.
- Algumas das possíveis consequências
Diante das causas anteriormente citadas, pode-se pensar em algumas possíveis consequências, que afetam de maneira direta ou indireta a economia do cuidado:
- Adoecimento feminino
Mulheres são socialmente mais responsabilizadas pelo cuidado, o que causa exaustão mental e física. Quando o sintoma está relacionado à exaustão da maternidade, ele é conhecido como "burnout materno".
- Dificuldade de as mulheres entrarem no mercado de trabalho remunerado
Uma vez que são submetidas a esse tipo de trabalho, que exige grande demanda emocional e de tempo, não conseguem se inserir no mercado formal de trabalho.
- Escassez de serviços para o cuidado
Segundo o IBGE, em 2050, o Brasil terá cerca de 77 milhões de pessoas dependentes de cuidado (pouco mais de um terço da população estimada) entre idosos e crianças. Isso significa que o país vai ter escassez de serviços para esse grupo.
- Manutenção de um pensamento machista e discriminatório
A partir do momento que existe ausência de conscientização sobre o assunto e invisibilização da importância do trabalho de cuidado exercido pelas mulheres, a tendência é que o preconceito e a visão machista, que subjuga a mulher ao papel de cuidadora e procriadora, mantenha-se por gerações.
Propostas de Intervenção acerca da desvalorização e invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil
- Medidas educativas e informativas. Caso a abordagem do tema trate da associação cultural do trabalho de cuidado apenas a mulheres, podem ser propostas ações que promovam a valorização cultural desse tipo de atividade e, portanto, abordem a necessidade de haver divisão justa de tarefas, bem como deem visibilidade a essa forma de trabalho e a sua importância vital para a sociedade;
- Ações relacionadas ao aumento de renda de atividades ligadas ao trabalho de cuidado. Profissões pouco valorizadas socialmente, como a de babás, cuidadoras e outras, podem ter pisos salariais determinados nacionalmente, como forma de valorização;
- As empresas podem instituir políticas integradas de parentalidade e facilitar o trabalho de mulheres (jornadas flexíveis, bancos de horas, auxilio-creche, berçários no ambiente de trabalho, implementação de licença parental);
- Propostas de incentivo ao estudo e à qualificação profissional de mulheres negras. Como se trata do grupo a que socialmente é imposto o trabalho de cuidado, pode haver propostas de bolsas de estudo e permanência ou acesso a cursos profissionalizantes e universitários voltados, em especial, para essas pessoas, como forma de combater a naturalização cultural da sua associação apenas com tarefas de cuidado;
- O Estado pode investir em políticas públicas para a remuneração e seguridade social na economia do cuidado - alguma possibilidade de renda, como uma renda básica universal, aposentadoria, pensão, dispensa médica, dentre outros. Além disso, para evitar a sobrecarga das mulheres, é necessário que o Estado invista em serviços públicos essenciais (educação, saúde, segurança, transporte…).
Considerando que a incorporação de repertório legitimado e autoral (ou seja, externo à coletânea) é fundamental na prova de redação do ENEM, o candidato poderia fazer referência, por exemplo, a leis, citações filosóficas ou produções audiovisuais pertinentes ao tema, tais como:
- A delegação do trabalho de cuidado quase exclusivamente para mulheres pode ser relacionada a uma cultura machista. Nesse sentido, é possível citar a frase “Ninguém nasce mulher; torna-se mulher”, da filósofa Simone de Beauvoir. A expectativa de que apenas as mulheres assumam o cuidado da casa e dos filhos, por exemplo, compromete a sua autonomia;
- O problema apontado no tema atinge principalmente mulheres negras no Brasil. Por isso, uma citação possível é da obra “Feminismo negro”, da filósofa brasileira Djamilla Ribeiro. Nela, a autora critica o fato de que é imposto a mulheres negras o cuidado das necessidades alheias, enquanto as suas próprias são negligenciadas. Por isso, ela propõe uma forma de feminismo interseccional, que aborda injustiças econômicas, de gênero e de raça;
- De maneira análoga, é possível tratar do pensamento da filósofa Nancy Fraser. De acordo com sua obra “Reconhecimento e redistribuição”, a luta pela justiça hoje deve abordar tanto questões de reconhecimento (desigualdades de gênero e raça) quanto de redistribuição (desigualdade econômica);
- A condição das mulheres responsáveis pelo trabalho de cuidado no país pode ser compreendida a partir do conceito de subcidadania, do sociólogo Jessé Souza. O autor aponta que muitos brasileiros não têm cidadania plena efetiva, devido a condições precárias de vida. O fato de a atividade de cuidado ser invisibilizada e desvalorizada é parte dessa situação injusta;
- Em 2023, foi sancionada no Brasil uma lei que determina igualdade salarial entre homens e mulheres, como forma de garantir igualdade nas condições de trabalho. Embora possa ser um avanço, a norma não atinge o trabalho de cuidado não remunerado, o que sinaliza para a invisibilidade da questão;
- O tema diz respeito ao desrespeito a diversos direitos. Nesse sentido, a Constituição ou a Declaração Universal de Direitos Humanos podem ser usados como referência. É possível falar do direito à igualdade entre homens e mulheres, bem como da necessidade de haver condições dignas de trabalho para todos. Além disso, a igualdade de gêneros é um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU;
- Por último, é preciso ressaltar que a própria prova, na parte das questões objetivas, trazia textos que poderiam ser utilizados como repertório, visto que traziam assuntos relacionados à temática da prova, como as questões 12, 30, 31, 34 por exemplo.