Mestre e companheiro, disse eu que nos íamos despedir. Mas disse mal. A morte não extingue: transforma: não aniquila: renova; não divorcia: aproxima. Um dia supuseste “morta e separada” a consorte dos teus sonhos e das tuas agonias, que te soubera "pôr um mundo inteiro no recanto" do teu ninho; e, todavia, nunca ela te esteve mais presente, no íntimo de ti mesmo e na expressão do teu canto, no fundo do teu ser e na face de tuas ações. Esses catorze versos inimitáveis, em que o enlevo dos teus discípulos resume o valor de toda uma literatura, eram a aliança de ouro do teu segundo noivado, um anel de outras núpcias, para a vida nova do teu renascimento e da tua glorificação, com a sócia sem nódoa dos teus anos de mocidade e madureza, da florescência e frutificação de tua alma. Para os eleitos do mundo das ideias a miséria está na decadência, e não na morte. A nobreza de uma nos preserva das minas da outra, Quando eles atravessavam essa passagem do invisível, que os conduz à região da verdade sem mescla, então é que entramos a sentir o começo do seu reino, o reino dos mortos sobre os vivos.
BARBOSA. R. O adeus da Academia a Machado de Assis. Rio de Janeiro. Agir, 1962
Esse é um trecho do discurso de Rui Barbosa na Academia Brasileira de Letras em homenagem a Machado de Assis por ocasião de sua morte. Uma das características desse discurso de homenagem é a presença de
O discurso de homenagem de Rui Barbosa a Machado de Assis se baseia num contraste entre duas visões da morte – uma do orador, outra do romancista. Retomando um poema feito por Machado em homenagem à sua falecida esposa, Barbosa nega que a morte signifique separação; para o orador, ela “renova”, “transforma”, “aproxima”. Com essa contraposição, o orador quer ressaltar a morte como ocasião para celebrar a vida e a obra de Machado, livre de uma vez por todas da decadência e enfim entregue à glória literária, como cabia a este “eleito do mundo das ideias”. A contraposição se vê reforçada pelo uso de duas conjunções adversativas (“mas” e “todavia”) e da locução “e não” (“na decadência, e não na morte”).
Já o gabarito oficial aponta como correta a alternativa que diz: "metáforas relacionadas à trajetória pessoal e criadora do homenageado". Isso se relaciona a uma leitura generalizante do enunciado, isto é, a questão cobraria que se entendesse o texto de Rui Barbosa como representativo do gênero "discurso de homenagem". Nesse agrupamento de textos, de fato, extraem-se da vida, da obra e da trajetória do homenageado as referências do discurso. No caso, Barbosa lembra o soneto marcante que Machado dedicou à esposa, tornado metáfora por meio de imagens como "a aliança de ouro", "um anel de outras núpcias".
Embora pertinente, a alternativa A não é a única, como se viu, que estaria correta. Voltando-se ao enunciado, nota-se que há mais de uma interpretação possível. Afinal, o comando diz: "uma das características desse discurso de homenagem". Fica em aberto se por isso se entende um aspecto que singulariza o texto, como se vê na alternativa D, ou um aspecto que o generaliza, como na A.