Leia os fragmentos e responda à questão:

I.

(...) No Minha terra tem palmeiras, nome admirabilíssimo que eu invejo, há poemas excelentes e muita coisa boa. Mas como você ainda está muito inteligente de cabeça pra cair no lirismo, repare que há muita coisa que é contada com memória em vez de vivida com sensação evocada. Disso um tal ou qual elemento prosaico que diminui a variedade do verso livre porque o confunde com a prosa. Todos nós temos isso.

Mário de Andrade – carta de 1924 a Carlos Drummond de Andrade, recolhida em A Lição do amigo.

II. 

CANÇÃO DO EXÍLIO

Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
 (...)

Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que disfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu’inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá. 

Gonçalves Dias – Primeiros cantos.

III.

EUROPA, FRANÇA E BAHIA

Meus olhos brasileiros sonhando exotismos.
Paris. A torre Eiffel alastrada de antenas como um caranguejo.
Os cais bolorentos de livros judeus
e a água suja do Sena escorrendo sabedoria.
 (...)
Meus olhos brasileiros se enjoam da Europa.
 (...)

Chega!
Meus olhos brasileiros se fecham saudosos.
Minha boca procura a “Canção do exílio”.
Como era mesmo a “Canção do exílio”?
Eu tão esquecido de minha terra...
Ai terra que tem palmeiras
onde canta o sabiá! 

Carlos Drummond de Andrade – Alguma poesia.

a) Embora tivesse grande respeito pelas ideias de Mário de Andrade, Drummond não aderiu sem reservas ao nacionalismo literário do amigo. Isso pode explicar a troca do título do livro Minha terra tem palmeiras por Alguma poesia? Comente a sua resposta.

b) De acordo com Mário de Andrade, o senso crítico afasta Drummond da poesia mais sentimental. A partir dessa nota, analise a diferença entre a visão romântica da “Canção do exílio” e a visão moderna de “Europa, França e Bahia”.

a) Sim. A troca do título admirado e invejado por Mário de Andrade é um dos sinais de que Carlos Drummond de Andrade não aderiu completamente ao nacionalismo de seu amigo modernista. Em “Europa, França e Bahia”, Drummond introduz o registro da ironia ao se referir às diferenças entre a Europa, da qual se diz enjoado, e o Brasil, do qual se declara saudoso e esquecido. No texto, a forma depreciativa como apresenta Paris, e a referência valorativa ao ufanismo de Gonçalves Dias são marcas dessa ironia. Esses aspectos representam clara distância entre o nacionalismo literário praticado por Mário e aquele proposto por Drummond. 
                         
b) O poema “Canção do exílio” é exemplo emblemático do nacionalismo ufanista praticado no Romantismo brasileiro. Trata-se de um texto em que o Brasil é caracterizado de forma idealizada, com especial ênfase às emoções provocadas no eu poético a partir da percepção de propriedades da pátria. Em “Europa, França e Bahia”, o juízo de valor apresentado é, em primeiro lugar, racional e marcado por uma interpretação “inteligente” da realidade, como observou Mário de Andrade, o que afasta o texto de um registro mais sentimental. No poema, Drummond reflete crítica e ironicamente sobre os contrastes entre o Brasil e a Europa. Imagens como "A torre Eiffel alastrada de antenas", "cais bolorentos" e "água suja do Sena" confirmam a ironia do autor. Para se opor a essas imagens, não há elogios ao Brasil, mas a saudade da “Canção do exílio”, o que só reforça o tom racional do texto e o afasta de qualquer reação mais emocional.