Leia os versos e responda à questão:
Ambição gera injustiça.
Injustiça, covardia.
Dos heróis martirizados
nunca se esquece a agonia.
Por horror ao sofrimento,
ao valor se renuncia.
E, à sombra de exemplos graves,
nascem gerações opressas.
Quem se mata em sonho, esforço,
mistérios, vigílias, pressas?
Quem confia nos amigos?
Quem acredita em promessas?
Que tempos medonhos chegam,
depois de tão dura prova?
Quem vai saber, no futuro,
o que se aprova ou reprova?
De que alma é que vai ser feita
essa humanidade nova?
Cecília Meireles – trecho final do “Romance LIX ou Da Reflexão dos Justos”, de Romanceiro da Inconfidência.
a) Como se articula a sequência ambição, injustiça e covardia – formada no poema – com o episódio fatal de Tiradentes?
b) A voz lírica interroga quais serão as consequências dos acontecimentos bárbaros da história sobre as novas gerações. Por que essa é uma reflexão dos justos?
a) Os dois primeiros versos do fragmento transcrito constituem a sequência referida no enunciado: “Ambição gera injustiça. / Injustiça, covardia”. No episódio de Tiradentes, conforme abordado no Romanceiro da Inconfidência, a ambição alude tanto à política do Estado português, que se pautava sempre pela busca indiscriminada de lucro com a exploração do ouro, quanto às atitudes daqueles que agiram motivados menos por ideais libertários e mais por valores materiais, conseguindo vantagens com a denúncia da rebelião, como fez Joaquim Silvério dos Reis. A injustiça se estabelece a partir dessa mesma denúncia, que configura um gesto de traição ao projeto de libertação. E, por fim, a covardia se refere ao recuo dos envolvidos, muitos dos quais, para escapar de penas severas, optaram por negar qualquer participação no movimento, preferindo expor a culpa de Tiradentes.
b) O “Romance LIX” do Romanceiro da Inconfidência tem como título alternativo “Da reflexão dos justos”. A voz lírica reflete sobre o destino de Tiradentes, considerando as injustiças de que ele foi vítima, e os exemplos que ficarão do episódio para as gerações seguintes. Assim, o eu lírico assume uma voz coletiva e adota a perspectiva dos justos, isto é, daqueles que lutam por justiça – não apenas no episódio da Inconfidência Mineira (o que equivalia a lutar pela liberdade em relação a Portugal), mas em todas as épocas. Nos versos, o enunciador se pergunta como as gerações futuras assimilariam um episódio que traz exemplos tão contundentes da podridão humana, como traição, covardia, opressão, perseguição, morte e ambição. Conclui que essas gerações não terão exemplos positivos a seguir, na medida em que aqueles que agem com nobreza são condenados, e aqueles que se acovardam escapam das punições severas.