Leia o excerto e responda à questão:
Se os homens são estes seres da busca e se sua vocação ontológica é humanizar-se, podem, cedo ou tarde, perceber a contradição em que a “educação bancária” pretende mantê-los e engajar-se na luta por sua libertação. Um educador humanista, revolucionário, não há de esperar esta possibilidade. Sua ação, identificando-se, desde logo, com a dos educandos, deve orientar-se no sentido da humanização de ambos. Do pensar autêntico e não no sentido de doação, da entrega do saber. Sua ação deve estar infundida da profunda crença nos homens. Crença no seu poder criador. Isto tudo exige dele que seja um companheiro dos educandos, em suas relações com estes. A educação bancária, em cuja prática se dá a inconciliação educadoreducandos, rechaça este companheirismo. E é lógico que seja assim.
No momento em que o educador bancário vivesse a superação da contradição já não seria bancário. Já não faria depósitos. Já não tentaria domesticar. Já não prescreveria. Saber com os educandos, enquanto estes soubessem com ele, seria sua tarefa. Já não estaria a serviço da desumanização. A serviço da opressão, mas a serviço da libertação.
Freire, Paulo. Pedagogia do Oprimido, p. 86-87. Adaptado.
a) Explique o sentido da expressão “educação bancária”, levando em conta a transferência da palavra “bancária” do campo das finanças para o da educação.
b) Como a repetição de “já não” contribui para a construção do sentido do último parágrafo do texto?
a) Para compreender o sentido da expressão “educação bancária”, deve-se considerar que o excerto de Paulo Freire contrapõe a ela outro tipo de educação - por ele defendida -, que seria a "educação libertadora". Confrontando-as, o autor defende que esta outra “[Deve orientar-se no sentido] Do pensar autêntico e não no sentido da doação, da entrega do saber”, pelo que se infere que a educação bancária se limitaria a uma transferência acrítica de conceitos, tal como se transfere valores de uma conta corrente a outra.
Dessa forma, o aluno dessa educação bancária receberia e deveria armazenar uma espécie de “depósito de conhecimentos”, sem o reconhecimento de sua condição de ser pensante, crítico, humanista e humanizado. Na visão de Freire, tal modelo educacional seria uma estratégia para manter os sujeitos passivos diante de uma realidade opressora, sobre a qual não lhes seria facultado refletir.
b) A repetição de “já não” contribuiu para evidenciar o contraponto entre as duas estratégias educacionais. Dado o valor temporal (“já”) e negativo (“não”) da expressão, ela é utilizada para introduzir mudanças implementadas por quem passasse a adotar a educação libertadora (“não seria bancário”, “não faria depósitos”, “não tentaria domesticar”, etc.).