Texto 1

A praça! A praça é do povo
Como o céu é do condor.

(Castro Alves. “O povo ao poder”. In: Castro Alves: literatura comentada, 1980.)

Texto 2

Uma definição alargada de espaço público coloca como princípio a sua acessibilidade a todos, o lugar onde qualquer indivíduo pode circular livremente, em contraponto ao espaço privado, cujo acesso é controlado e reservado a um público específico. O critério de acessibilidade repousa sobre a ideia implícita de que é a livre circulação do corpo no espaço que o torna público e que estes espaços acessíveis pressupõem encontros socialmente organizados por rituais de exposição ou de inibição que pouco se relacionam com o convívio inerente à vida de bairro e das relações de vizinhança. Estamos perante um “espaço de cidadania” e um espaço de exercício do “direito à cidade”, cuja frequência reclama apenas o estatuto de cidadão.

(Alexandra Castro. “Espaços públicos, coexistência social e civilidade”.
Cidades: comunidades e territórios, dezembro de 2002. Adaptado.)

Texto 3

Ao longo do século XX, a segregação social assumiu diferentes formas de expressão no espaço urbano de São Paulo. As transformações mais recentes estão gerando espaços nos quais os diferentes grupos sociais estão muitas vezes próximos, mas separados por muros e tecnologias de segurança, e tendem a não circular ou interagir em áreas comuns. O principal instrumento desse novo padrão de segregação espacial é o que eu chamo de “enclaves fortificados”. Trata-se de espaços privatizados, fechados e monitorados para residência, consumo, lazer e trabalho. A sua principal justificação é o medo da violência. Esses novos espaços atraem aqueles que estão abandonando a esfera pública das ruas para os pobres, os “marginalizados” e os sem-teto. Em cidades fragmentadas por enclaves fortificados é difícil manter os princípios de acessibilidade e livre circulação, que estão entre os valores mais importantes das cidades modernas. Com a construção de enclaves fortificados, o caráter do espaço público muda, assim como a participação dos cidadãos na vida pública.

(Teresa Pires do Rio Caldeira. Cidade de muros:
crime, segregação e cidadania em São Paulo
, 2003. Adaptado.)

Texto 4

Ao entrar em um desses modernos condomínios, projetados com a mais recente engenharia urbanística, temos o sentimento pacificador de que enfim encontramos alguma ordem e segurança. Rapidamente nos damos conta de que há ali uma forma de vida na qual a precariedade, o risco e a indeterminação teriam sido abolidos. Tudo é funcional, administrado e limpo. A imagem dessa ilha de serenidade captura as ilusões de um sonho brasileiro mediano de consumo. Uma região, isolada do resto, onde se poderia livremente exercer a convivência e o sentido de comunidade entre iguais. Um retorno para a natureza, uma vida com menos preocupação, plena de lazer na convivência entre semelhantes. A lógica do condomínio tem por premissa justamente excluir o que está fora de seus muros.

(Christian Ingo Lenz Dunker. “A lógica do condomínio”.
Mal-estar, sofrimento e sintoma: uma psicopatologia do Brasil entre muros, 2015. Adaptado.)

Com base nos textos apresentados e em seus próprios conhecimentos, escreva um texto dissertativo-argumentativo, empregando a norma-padrão da língua portuguesa, sobre o tema:

A “lógica do condomínio”: o espaço público está em declínio?

Este ano, a Unesp seguiu a sua tradição das provas de redação, pois requisitou a elaboração de um texto dissertativo-argumentativo sobre um tema de caráter abstrato ou filosófico. Nesta edição, os candidatos deveriam redigir um texto sobre “A ‘lógica do condomínio´: o espaço público está em declínio?”

A coletânea é composta por quatro textos de gêneros diversos. O Texto 1, com versos de um poema de Castro Alves, traz a fórmula “a praça é do povo”, a qual representa o espaço público como algo a ser ocupado. O Texto 2, extraído de um artigo acadêmico da socióloga Alexandra Castro, define o espaço público como marcado por uma ampla acessibilidade, pois se trata de um “espaço de cidadania”. O Texto 3, trecho de um livro da antropóloga Teresa Caldeira, aponta o fenômeno da criação de “enclaves fortificados”, espaços privados fechados, com diversos serviços e segurança.  Eles estariam mudando o espaço público e representariam uma forma de segregação. O Texto 4, extraído de um livro do psicanalista Christian Dunker, relaciona o surgimento dos modernos condomínios privados a uma lógica de exclusão do diferente.

 

Encaminhamentos possíveis

Como o tema tem forma de pergunta, é preciso que o texto a responda com clareza. Isso não significa que necessariamente se deve defender apenas uma resposta positiva ou negativa, e sim que deve haver um posicionamento claro, ainda que envolva ressalvas. Nesse sentido, é possível desenvolver, entre outras, as seguintes ideias:

- Definir a lógica do condomínio como uma forma de segregação social excludente, seguindo a leitura dos Textos 3 e 4. Essas inserções urbanas buscam, de acordo com os textos, realizar demandas por segurança e conforto de parte da população, as quais estariam relacionadas a afastar-se dos “pobres, marginalizados e sem-teto”;

- Afirmar que o espaço público é algo a ser ocupado pelo povo, conforme o verso de Castro Alves. Um exemplo disso é que o espaço público é aquele em que ocorrem manifestações políticas, que são parte importante de uma democracia. Como hoje surgem condomínios privados que não podem ser ocupados por todos os cidadãos, esse tipo de espaço perde importância, ou seja, mostra-se em declínio;

- Relacionar o espaço público à acessibilidade para todos os cidadãos, conforme afirma o Texto 2. Como os condomínios privados não são acessíveis, e sim excludentes, o seu surgimento representaria um declínio do espaço público;

- Considerar que o surgimento de condomínios privados excludentes não seria suficiente para provocar o declínio do espaço público. Nesse sentido, seria possível observar que o aparecimento recente de tais empreendimentos não impediu que houvesse grandes manifestações políticas no Brasil. Portanto, apesar da lógica excludente, seu impacto não seria tão significativo.