“Acontece, porém, que a verdade sobre a fome incomoda os governos e fere as suscetibilidades patrióticas e, por isso mesmo, são frequentemente vedadas ao grande público, pelas respectivas censuras políticas. (...) Será a calamidade da fome um fenômeno natural, inerente à própria vida, uma contingência irremovível como a morte? Ou será a fome uma praga social criada pelo próprio homem?”

(CASTRO, Josué de. Geopolítica da Fome. Rio de Janeiro: Casa do Estudante do Brasil, 2ª ed., 1953.)

“Vivemos em um país que produz muito alimento e tem muita gente passando fome. Para além do escândalo ético, isso é uma aberração em termos de organização econômica e social. No plano moral, beira o criminoso: são 33 milhões de pessoas famintas, enquanto exportamos e produzimos mais de três quilos, só de grãos, por pessoa por dia.”

(DOWBOR, Ladislau. Fome, uma decisão política e corporativa. In: CAMPELLO, Tereza; BORTOLETTO,
Ana Paula (orgs.). Da fome à fome: diálogos com Josué de Castro. São Paulo: Elefante, 2022, p. 181.)

a) Para Josué de Castro, há poucos debates sobre a fome. Por que a questão da fome é ocultada dos debates contemporâneos? A insegurança alimentar é uma questão moral e política? A partir dos textos, justifique suas respostas.

b) Cite um aspecto histórico e um social que explicam a existência da fome no Brasil. Analise, a partir do gráfico, o que houve com a questão da insegurança alimentar no país, desde o início do século XXI.

a) De acordo com Josué de Castro, a questão da fome é ocultada por incomodar os governos e ferir a sensibilidade nacional. É possível argumentar que essas razões persistem no debate contemporâneo, já que houve, por parte do governo federal, tentativa de refutar ou relativizar os dados acerca do problema, os quais são apresentados no texto de Ladislau Dowbor. Isso pode ser interpretado como motivado pela tentativa de não prejudicar a imagem do governo bem como a propaganda de cunho nacionalista. 
 
A insegurança alimentar é uma questão moral, de acordo com texto, há uma contradição entre o país ser um grande produtor de alimentos e ter 33 milhões de pessoas famintas. Também é possível considerar a fome uma questão moral porque, sem acesso à alimentação, a base da dignidade humana (nossa sobrevivência física) se perde.
 
Quanto à fome ser uma questão política, ela pode ser considerada uma praga social criada pelo homem, e não uma contingência natural e inescapável – como sugerem as perguntas retóricas de Josué de Castro. Nesse sentido, pode-se mencionar a produção de alimentos mais do que suficiente para a população, por exemplo.  E, se é algo social, é de ordem política. Além disso, conforme a afirmação de Dowbor, trata-se, no contexto atual do Brasil, de uma “aberração” social e econômica, tendo em vista a contradição entre a enorme produção de alimentos do país e a situação de insegurança alimentar de mais de 30 milhões de pessoas. Isso diz respeito, sobretudo, à noção de justiça na distribuição de recursos, relacionada a uma ordem social e econômica altamente desigual e excludente. 
 
b) A existência da fome no Brasil está associada ao histórico acesso desigual às terras e às tecnologias agrícolas, além da pobreza de grande parcela da população. O gráfico indica que, entre 2004 e 2013, houve uma relativa queda da insegurança alimentar, alcançada, em grande medida, a partir de programas sociais voltados ao combate à pobreza e à fome no país. A partir de 2013, ocorreu o significativo aumento da insegurança alimentar (leve, moderada e grave) em razão do agravamento da pobreza, causado, especialmente, pelas sucessivas crises econômicas que o país atravessou nesse período.