“Ciclo

Manhã. Sangue em delírio, verde gomo,
Promessa ardente, berço e liminar:
A árvore pulsa, no primeiro assomo
Da vida, inchando a seiva ao sol... Sonhar!

Dia. A flor, — o noivado e o beijo, como
Em perfumes um tálamo e um altar:
A árvore abre-se em riso, espera o pomo,
E canta à voz dos pássaros... Amar!

Tarde. Messe e esplendor, glória e tributo;
A árvore maternal levanta o fruto,
A hóstia da ideia em perfeição... Pensar!

Noite. Oh! saudade!...A dolorosa rama
Da árvore a aflita pelo chão derrama
As folhas, como lágrimas... Lembrar!”

(BILAC, Olavo. Tarde. 1.ed. Rio de Janeiro; São Paulo; Belo Horizonte: Libraria Francisco Alves, p. 12-13, 1919.)

No soneto “Ciclo”,

  • a

    a reiteração de um mesmo tipo de frase no final de cada estrofe acentua o idealismo e a rememoração.

  • b

    a metáfora da árvore faz uso de um vocabulário botânico, que evoca o cientificismo da época. 

  • c

    as frases nominais do início das estrofes contradizem os sentidos de cada estrofe anterior. 

  • d

    o paralelismo estrutural entre as estrofes de “Ciclo” evoca o desgaste dos recursos do poeta.

Um dos temas do livro Tarde, de Olavo Bilac, é a consciência da passagem do tempo e seus efeitos sobre o indivíduo. O título do poema transcrito remete às fases da existência humana, metaforizadas, ali, na alusão à árvore – imagem que aparece em todas as estrofes. Assim, a árvore “pulsa, no primeiro assomo” (estrofe 1), aludindo ao momento do nascimento; “abre-se em riso, espera o pomo” (estrofe 2), como a se preparar para a proliferação; “maternal levanta o fruto” (estrofe 3), assumindo a maturidade da condição de mãe; e, por fim, “aflita pelo chão derrama / As folhas, como lágrimas” (estrofe 4) prenunciadoras da morte. Os verbos que encerram cada uma das estrofes acompanham essa evolução: “Sonhar!” expressa as esperanças do início da vida; “Amar!” mostra a plenitude da existência; “Pensar!” sintetiza a postura reflexiva da maturidade; “Lembrar!” resume a velhice, momento de rememorar as experiências vividas. O fato de o enunciador lírico aludir a essas fases indica que ele tem conhecimento de todas elas, razão pela qual só pode ser colocado na etapa final, a da velhice. Assim, o poema é marcado pela rememoração e pela perspectiva idealizada dos momentos anteriores – idealismo este capaz de provocar emoções ressaltadas pelo uso do ponto de exclamação, ao final de cada expressão de encerramento.