Na última crônica da série “Bons dias!”, de 29 de agosto de 1889, série na qual um tema são as questões gerais em torno do curandeirismo, o narrador enuncia:
“Hão de fazer-me esta justiça, ainda os meus mais ferrenhos inimigos; é que não sou curandeiro, eu não tenho parente curandeiro, não conheço curandeiro, e nunca vi cara, fotografia ou relíquia, sequer, de curandeiro. Quando adoeço, não é de espinhela caída*, — coisa que podia aconselhar-me a curanderia; é sempre de moléstias latinas ou gregas. Estou na regra; pago impostos, sou jurado, não me podem arguir a menor quebra de dever público.”
(ASSIS, Machado de. Bons dias! Campinas: Editora da UNICAMP, p. 295, 2008.)
*espinhela caída: designação popular para doenças caracterizadas por dores pelo corpo (peito, costas e pernas), além de cansaço físico.
Na “profissão de fé”, feita pelo narrador da crônica no parágrafo citado, percebe-se
O enunciador das crônicas da série Bons dias! é um relojoeiro que, após aposentar-se da profissão, decide tecer comentários, analisando criticamente o cotidiano carioca da época (entre os anos de 1888 e 1889). O lugar de fala que ocupa permite associá-lo às elites (às quais, de certa forma, pertence, na condição de dono de escravo). O enunciador assume, frequentemente, um tom de presunçosa superioridade. No trecho transcrito, essa postura se manifesta no tratamento desdenhoso à forma popular de designar moléstias diversas (“espinhela caída”) e na irônica afirmação de que padece apenas de males definidos por expressões “latinas ou gregas”.