Leia o texto a seguir para responder a questão.
Quebrando o silêncio dos hospícios
Stella do Patrocínio, apesar de ser reconhecida postumamente como poeta, nunca se definiu assim e não escreveu nenhuma das linhas que estão no livro Reino dos bichos e dos animais é o meu nome, pelo qual ficou conhecida. A potência de suas palavras se encontra no seu falatório (como chamava suas falas), que foi preservado em fitas de áudio pela artista plástica Carla Guagliardi. As conversas entre as duas foram gravadas durante oficinas de arte para pacientes psiquiátricos, entre 1986 e 1988, e o livro, publicado muitos anos depois da morte de Patrocínio, é um recorte de frases dela, transcritas desses diálogos.
As falas de Patrocínio são de uma mulher negra e pobre que foi levada à força pela polícia e internada, no Centro Pedro 2º e depois na Colônia Juliano Moreira, no Rio de Janeiro, onde ficou por trinta anos; quando morreu, foi enterrada como indigente. A história de Patrocínio é a história de milhares de vítimas que foram encarceradas nos hospícios brasileiros por serem consideradas “desajustadas”. Em sua maioria negras. Ali, elas sofreram abusos, violências e torturas, além de serem abandonadas pelo Estado.
(Adaptado de: Quebrando o silêncio dos hospícios. Quatro cinco um, 05/2022, p. 27.)
Examinando a relação do título com o corpo do excerto da reportagem de revista, o que representa a quebra do “silêncio dos hospícios”?
A reportagem “Quebrando o silêncio dos hospícios” começa falando do livro Reino dos bichos e dos animais é o meu nome, de Stella do Patrocínio. A obra é um “recorte de frases (...), transcritas” dos diálogos entre ela e a artista plástica Carla Guagliardi. Essas “conversas entre as duas foram gravadas durante oficinas de arte para pacientes psiquiátricos”, e Stella chama suas falas nesses encontros de “falatório”.
Essas falas “são de uma mulher negra e pobre que foi levada à força pela polícia e internada (...) por trinta anos” e acabou “enterrada como indigente”. Sua história é a mesma de “milhares de vítimas que foram encarceradas nos hospícios brasileiros por serem consideradas ‘desajustadas’”.
A questão solicita que o estudante, relacionando o “título com o corpo do excerto da reportagem”, explique “o que representa a quebra do ‘silêncio dos hospícios’”.
No percurso discursivo da reportagem, sabemos que as oficinas de arte permitiram que Stella do Patrocínio se manifestasse (iniciando, portanto, o processo de “quebra do silêncio”). As falas dela foram então gravadas, numa segunda etapa do processo de reconhecimento de sua voz. Por fim, partes dessas falas foram reunidas em livro e fizeram-na ser reconhecida como poeta, consolidando a quebra do “silêncio dos hospícios”.
Assim, a alternativa A é inaceitável, pois não faz referência nem às oficinas, nem às falas gravadas, nem ao livro. Todas as demais trazem leituras aceitáveis do texto, considerando o percurso oficinas de arte > falas gravadas > livro publicado.
A alternativa B foca nas oficinas de arte, que iniciaram o caminho que permitiu que a voz de Stella do Patrocínio ficasse conhecida, ainda que depois de sua morte. Sua história, efetivamente, é semelhante à de outras “mulheres encarceradas em instituições manicomiais”.
A alternativa C fala do livro de Stella do Patrocínio, que, inegavelmente, consolidou o processo de quebra do “silêncio dos hospícios”. A obra, ao levar para a linguagem escrita o “falatório”, representa a história de vida de Stella, o que, sinedoquicamente, pode ser uma forma de narrar “as histórias de mulheres vítimas de violência manicomial, abandonadas pelo Estado”. A reportagem deixa clara essa possibilidade de generalização, ao afirmar que a “história de Patrocínio é a história de milhares de vítimas que foram encarceradas nos hospícios brasileiros”.
Por fim, a alternativa D destaca as falas gravadas das conversas de Stella do Patrocínio e Carla Guagliardi, base para a publicação posterior do livro. Essas falas têm, de fato, uma dimensão mais individual e outra mais coletiva, o que explica a ideia de que elas “expressam tanto o seu percurso individual quanto a história de outras mulheres”.
Pela dificuldade de encontrar distratores claros nessas três alternativas, bem como pela falta de uma alternativa que traduzisse, completamente, como se deu o processo de quebra do “silêncio dos hospícios”, acreditamos que a questão deveria ser anulada.
Nesse sentido, respeitosamente, o Curso Anglo diverge do gabarito oficial.