Leia o artigo “Pedaço de mim”, do neurocientista Sidarta Ribeiro, para responder à questão.

A cada ano, milhões de pessoas passam pela experiência da perda traumática de uma extremidade corporal. Frequentemente, as penas psicológicas e sociais da amputação vêm acompanhadas de uma dor mais bruta, fruto da percepção fantasmagórica do pedaço perdido, mão ou pé ausente doendo em pesadelos de sono e vigília. Pulsando, queimando ou coçando, o membro fantasma reclama da incompletude do mutilado. Um corpo que já não se representa como é, e sim como foi.

Decepado de forma acidental, o membro leva consigo terminais nervosos que não se reconstituem no coto. Disso resulta o desequilíbrio de vastos circuitos neurais que cartografam a interface com o ambiente, chegando até o âmago do sistema nervoso. As regiões cerebrais correspondentes ao membro amputado são invadidas e loteadas por representações vizinhas, num processo que pune a falta de atividade neural com a inexorável substituição de sinapses e células. Tal plasticidade remapeia a relação do corpo com o mundo, provocando a sensação fantasma. Um poeta diria que o cérebro transforma em incômodo a saudade do pedaço que perdeu. Será possível reverter esse processo?

Um estudo de 2004 com pacientes biamputados submetidos a transplantes de ambas as mãos mostrou que o cérebro é capaz de se reorganizar topograficamente mesmo após vários anos de amputação. Os resultados são extremamente animadores do ponto de vista clínico, pois indicam que o córtex cerebral, anos depois da drástica modificação induzida pela amputação, continua capaz de plasticidade plena. A incorporação harmônica de uma parte alheia devolve ao paciente sua função original, fundindo duas pessoas num corpo novo e maravilhoso. Nada se perde e tudo se transforma num milagre da cirurgia e da reabilitação em que o pedaço afastado renasce útil, matando a saudade do corpo exilado de si. Regressam os sinais, recria-se o mapa, segue refeita a vida.

(Limiar: ciência e vida contemporânea, 2020. Adaptado.)

a) De acordo com o autor do artigo, o sofrimento mais intenso dos mutilados está frequentemente associado a que experiência? A que representação do próprio corpo se vincula tal experiência?

b) Cite duas palavras do artigo formadas com prefixos que expressam ideia de negação.

a) Para o neurocientista Sidarta Ribeiro, entre as dores provocadas pela amputação, existe uma que, em suas palavras, é “mais bruta”: trata-se das dores e incômodos sentidos no chamado “membro fantasma”, ou seja, sensações que não ocorrem no corpo físico, mas são resultantes do desequilíbrio provocado em vasos e circuitos neurais pela perda de um membro. Segundo o especialista, portanto, o maior sofrimento de pessoas mutiladas está associado a experiências sensoriais relativas ao membro já amputado.

Nesse tipo de episódio, observa-se um corpo “que já não se representa como é, e sim como foi”, logo a experiência se vincula a uma representação do próprio corpo em seu estado anterior à mutilação.

b) Ocorrem prefixos com ideia de negação nos vocábulos “incompletude”, “desequilíbrio” e “inexorável”.