“Todos os dias que depois vieram, eram tempo de doer. Miguilim tinha sido arrancado de uma porção de coisas, e estava no mesmo lugar. Quando chegava o poder de chorar, era até bom – enquanto estava chorando, parecia que a alma toda se sacudia, misturando ao vivo todas as lembranças, as mais novas e as muito antigas. Mas, no mais das horas, ele estava cansado. Cansado e como que assustado. Sufocado. Ele não era ele mesmo. Diante dele, as pessoas, as coisas, perdiam o peso de ser. Os lugares, o Mutum – se esvaziavam, numa ligeireza, vagarosos. E Miguilim mesmo se achava diferente de todos. Ao vago, dava a mesma ideia de uma vez, em que, muito pequeno, tinha dormido de dia, fora de seu costume – quando acordou, sentiu o existir do mundo em hora estranha, e perguntou assustado: – ‘Uai, Mãe, hoje já é amanhã?!’”

João Guimarães Rosa. Campo Geral.

Conforme sugere o trecho, o sofrimento perturba a noção que Miguilim tinha do tempo, porque

  • a

    a falta de acuidade visual não lhe permite distinguir as épocas. 

  • b

    o desamor ao pai o faz romper com a infância cedo demais. 

  • c

    o aprendizado da morte embaralha os planos da memória. 

  • d

    a sensação de vazio o leva a se sentir seguro no presente. 

  • e

    os dias vividos no Mutum mostram-se cada vez mais curtos.

Os dias a que o narrador se refere no fragmento são entendidos como “tempo de doer”. A dor está relacionada com o fato de Miguilim ter “sido arrancado de uma porção de coisas” e estar no mesmo lugar. O protagonista se sente aliviado quando consegue chorar, mas se sente cansado e assustado durante todo o resto do tempo. Sua relação com o mundo também está transformada, e as pessoas e as coisas “perdiam o peso de ser” e os lugares “se esvaziavam”. Em geral, Miguilim se sente desconectado da realidade e sente os planos da memória embaralhados em função da morte de seu irmão Dito.