Tempo de nos aquilombar

É tempo de caminhar em fingido silêncio,
e buscar o momento certo no grito,
aparentar fechar um olho evitando o cisco
e abrir escancaradamente o outro.

É tempo de fazer os ouvidos moucos
para os vazios lero-leros,
e cuidar dos passos assuntando as vias,
ir se vigiando atento, que o buraco é fundo.

É tempo de ninguém se soltar de ninguém,
mas olhar fundo na palma aberta
a alma de quem lhe oferece o gesto.
O laçar de mãos não pode ser algemas,
e sim acertada tática, necessário esquema.

É tempo de formar novos quilombos,
em qualquer lugar que estejamos
e que venham dias futuros, salve 2020
A mística quilombola persiste afirmando:
“a liberdade é uma luta constante”.

Conceição Evaristo. Jornal O Globo, 31/12/2019.

Considerando o enfoque do texto na denúncia social, o eu lírico revela, predominantemente,

  • a

    a crítica às reações da nossa sociedade frente aos problemas que ficaram no passado.

  • b

    as justificativas para a segregação social no mundo contemporâneo.

  • c

    as tensões sociais presentes há tempos, sob a luz dos embates do momento atual.

  • d

    a importância de contornar os problemas sociais do passado.

  • e

    as peculiaridades das diferentes classes sociais ao enfrentar os problemas sociais atuais.

Ao colocar em relação questões sociais atuais (que aparecem introduzidas pela expressão “É tempo de”, repetida no início de cada estrofe) com a escravidão (por meio da referência aos quilombos), o eu lírico coloca em pauta tensões sociais presentes há tempos sob a luz dos conflitos do momento atual.