Texto 1
O Digital News Report 2022, pesquisa de âmbito mundial do Instituto Reuters para Estudos de Jornalismo em Oxford, revela que o interesse em notícias caiu drasticamente e que há também um crescente número de pessoas que dizem deliberadamente evitar ler notícias.
É fato que o resultado do estudo preocupou a imprensa de todos os países pesquisados, pois revelou aquilo que qualquer observador mais atento da realidade já sabia: o jornalismo feito por profissionais preparados e formados para tal função vem se distanciando do leitor comum, que prefere a notícia comentada pelo seu influencer predileto, e o entretenimento vem ganhando a dianteira frente à análise crítica e acurada do que acontece ao nosso redor.
O estudo também mostrou que os chamados nativos digitais (jovens de 18 a 24 anos) são muito mais propensos a acessar notícias usando fontes de “porta lateral”, como mídias sociais, sites agregadores e mecanismos de pesquisa. O relatório confirma a tendência de esse público privilegiar cada vez mais informações em áudio e vídeo e em redes como Instagram, TikTok, YouTube ou Spotify.
Além disso, o relatório evidenciou que as notícias acessadas pelas mídias sociais se misturam com as fofocas, as fake news, com o universo paralelo das opiniões, da propaganda e do marketing. “Todas as faixas etárias veem as notícias como igualmente importantes para aprender coisas novas. Mas vemos que os grupos mais jovens são um pouco mais motivados pela forma como as notícias são divertidas e compartilháveis nas redes”, afirma Kirsten Eddy, uma das co-autoras do relatório.
(Januária Cristina Alves. “Quem lê tanta notícia? O desinteresse dos jovens pelo noticiário”. www.nexojornal.com.br, 23.06.2022. Adaptado.)
Texto 2
Desde as primeiras horas do dia 24 de fevereiro de 2022, o ataque das forças russas contra a Ucrânia reinou sozinho como principal assunto das redes sociais. Ninguém esperava menos, dada a gravidade do conflito. Mas, buscando surfar na onda do engajamento que o assunto rende, alguns perfis de alta popularidade, cujo foco passa longe de assuntos de política e relações internacionais, entraram na cobertura da guerra em tempo real, publicando frequentemente informações conflitantes, erros de tradução ou simplesmente se apropriando de conteúdos produzidos por outras pessoas e organizações.
Se, por um lado, essas iniciativas podem alcançar um público que não consome o noticiário mais tradicional e ajudam a conscientizar e informar mais pessoas sobre o conflito, por outro, há preocupações sobre a qualidade da informação transmitida, muitas vezes encontrada às pressas online e sem qualquer critério de verificação, que passa a ser entregue para uma audiência gigantesca. Como exemplo, a conta no Instagram do nicho de fofocas “Choquei” fez mais de dez posts sobre o conflito na Ucrânia para seus 16 milhões de seguidores.
Ao apenas reproduzir conteúdo de fontes online sem citar nenhuma referência, esses perfis ficam suscetíveis a cometer erros e a propagar desinformação, mesmo que involuntariamente. Foi o que aconteceu com uma das publicações do “Choquei”, que tratava da invasão de Chernobyl pelas forças russas no conflito vigente, porém, trazia uma foto da antiga usina nuclear e de soldados tirada em 2014. Um outro exemplo foi o caso da influenciadora digital Rafa Kalimann, que usou sua conta no Twitter para apresentar informações sobre o conflito. A intenção até pode ter sido boa, mas a blogueira foi alertada por seguidores de que não era hora de fazer o que chamou de “resumo pessoal” sobre a guerra e que seria melhor dar espaço para especialistas e profissionais.
(Laís Martins. “No Twitter e no Instagram, cobrir guerra em tempo real vira moeda de engajamento”. www.nucleo.jor.br, 25.02.2022. Adaptado.)
Texto 3
Cada vez mais, as redes sociais se tornam parte fundamental da maneira com que os fatos são percebidos. Na Ucrânia, por exemplo, influenciadores digitais de entretenimento estão gravando e postando vídeos que detalham o passo a passo da invasão russa, iniciada em fevereiro de 2022. O embate chegou a ser apelidado de “guerra TikTok”, tamanha a presença do assunto na rede social de vídeos curtos.
Ao encarar o engajamento político da mesma forma que o engajamento de fofocas de celebridades, cria-se um nível de trivialidade para assuntos sérios, aponta Sabrina Fernandes, doutora em sociologia e youtuber. A importância da responsabilidade, no entanto, não significa que somente especialistas possam informar o público. “O que existe é a necessidade de algum tipo de filtro. Se alguém com milhares ou milhões de seguidores quer participar do processo informativo, é necessário beber de fontes confiáveis”, acrescenta. Como exemplo positivo, ela cita o influenciador Casimiro. Conforme a invasão russa era noticiada, Casimiro interrompeu a programação cotidiana e trouxe um especialista sobre o assunto, o professor de política internacional Tanguy Baghdadi, que explicou para mais de 130 mil pessoas o contexto histórico por trás da guerra entre Rússia e Ucrânia. Para a socióloga, “o alcance gigantesco desses influenciadores pode colaborar com a difusão do conhecimento, a grande questão é a responsabilidade com o que se está falando.”
(Daniel Vila Nova e Manuela Stelzer. “Viu o último post sobre a guerra?”. www.gamarevista.uol.com.br, 13.03.2022. Adaptado.)
Com base nos textos apresentados e em seus próprios conhecimentos, escreva um texto dissertativo-argumentativo, empregando a norma-padrão da língua portuguesa, sobre o tema:
Publicação de notícias por perfis de entretenimento: entre a desinformação e a conscientização
Análise da proposta
Seguindo a tradição da Vunesp, a prova de redação da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (Santa Casa) requisitou a elaboração de um texto dissertativo-argumentativo sobre uma questão relevante e polêmica da atualidade. Na edição deste ano, os candidatos e candidatas deveriam produzir um texto sobre o tema “Publicação de notícias por perfis de entretenimento: entre a desinformação e a conscientização”.
A proposta traz três textos de apoio. O Texto 1, uma reportagem do Nexo Jornal, trata de mudanças no consumo de notícia pelo público jovem. Segundo pesquisa citada no texto, os jovens acessam os conteúdos noticiosos por novos meios, como as redes sociais, e preferem vê-las com comentários de influenciadores digitais. Nesse ambiente, há mais espaço para desinformação (fake news) e uma preferência por conteúdos que também envolvam entretenimento. Já o Texto 2, uma reportagem do site Núcleo, tem como tema a busca de engajamento por perfis de redes sociais durante a invasão da Ucrânia pela Rússia. Como o assunto gerou interesse, houve muita produção de conteúdo por parte de perfis de redes sociais que tratam de celebridades e por influenciadores sem conhecimento sobre o tema. Isso teria favorecido a desinformação. Por fim, o Texto 3, uma reportagem da Gama Revista, também aborda a produção de conteúdo sobre a Guerra da Ucrânia por influenciadores do campo do entretenimento, o que mostraria o peso das redes sociais nas construções de percepções sobre o conflito. No texto, a doutora em sociologia – e também influenciadora digital – Sabrina Fernandes (responsável pelo canal de divulgação política Tese 11) afirma que o fenômeno faz com que assuntos sérios sejam tratados como triviais. Para ela, seria necessário haver filtros, como a presença de especialistas no tema, já que os criadores de conteúdo devem assumir responsabilidade pelo que produzem.
Encaminhamentos possíveis
A proposta traz duas possibilidades de posicionamento: uma mais contrária ao fenômeno (desinformação) e uma mais favorável (conscientização). Nesses casos, pode-se optar por um texto unívoco, que só defenda um dos lados, ou por posicionamentos intermediários, por exemplo, por meio da construção de ressalvas. Em todo caso, é necessário ao menos mencionar os dois pólos do debate, ainda que apenas na introdução.
Na construção dos seus argumentos, seria possível levar em conta, entre outros, os seguintes elementos:
Desinformação
- O ambiente de circulação de informações de perfis de entretenimento é mais propício à desinformação. Muitas vezes, não há o trabalho de jornalistas profissionais nesses perfis. Além disso, a busca por engajamento pode levar a exageros, distorções e até mentiras. É o que ocorre com manchetes sensacionalistas conhecidas como iscas de cliques ou clickbaits. O exemplo da foto antiga da usina de Chernobyl, presente no texto 2, ilustra isso, pois a imagem certamente causaria maior impacto, apesar de não ter relação com o evento noticiado.
- A importância dos perfis de entretenimento na circulação de notícias pode ser vista como parte da sociedade do espetáculo, conceito do ensaísta Guy Debord, segundo o qual, hoje, as imagens importam mais do que a própria realidade. Isso vale tanto para a transformação da informação em entretenimento (espetáculo) quanto para o peso das redes sociais na disputa de narrativas relacionadas à guerra da Ucrânia – apelidada de “guerra Tik Tok”, como informa o Texto 3.
- As notícias veiculadas por perfis de entretenimento podem também ser vistas como produtos da Indústria Cultural, conceito dos pensadores Theodor Adorno e Max Horkheimer. Nesse sentido, elas seriam transformadas em produtos feitos a partir de fórmulas que garantam entretenimento, o que, no limite, compromete a possibilidade de formação de juízos autônomos sobre os fatos.
Conscientização
- A coletânea traz dados que indicam um desinteresse dos jovens pelo conteúdo jornalístico tradicional. Nesse sentido, pode-se defender a apresentação de conteúdos por meio de outras estratégias, como a mistura entre informação e entretenimento, bem como a intermediação feita por influenciadores digitais;
- Os conteúdos produzidos nesse contexto não são, necessariamente, marcados pela desinformação. O exemplo do influenciador digital Casimiro, no Texto 3, seria indicativo disso. Ao chamar um especialista no tema, ele teria conseguido agregar o alcance de seus canais à informação de qualidade.